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segunda-feira

A moral

O homem, diziam os antigos, é fundamentalmente um ser que esquece. Nesta tese, também ela hoje esquecida, convergem profundamente as grandes tradições do pensamento oriental e ocidental.

Para os antigos, neste ponto dotados de maior sensibilidade do que nós, era evidente a existência de uma entrópica tendência humana ao esquecimento. Naturalmente, não se trata aqui do periférico (não nos esquecemos do aniversário da caderneta de poupança, nem da data da final do campeonato), mas do essencial: ao sabor da rotina do quotidiano, são as questões decisivas que se vão embotando - "0 que é ser homem?"; "Quem sou eu, afinal de contas?"; "O que é a felicidade?" etc.

Esse misto de desatenção e esquecimento a que o homem contemporâneo está especialmente sujeito acabou por criar uma crise de caráter espiritual, de orientação, de sabedoria e de moral. Uma crise tanto mais grave quanto muitos dos seus protagonistas mal suspeitam (pelo menos de modo consciente) de que essa carência existe e de que realmente é uma carência. Buscam-se as soluções definitivas para o profundo mal-estar do homem moderno em campos onde elas não podem estar: na economia, na tecnologia, nas ciências, nos movimentos ecológicos ou revolucionários, mas deixam-se sem resposta as questões mais decisivas.

Mais do que nunca, fala-se hoje, no Brasil, em Ética e Moral. A insistência no tema em discursos de campanha política nada mais faz, em geral, do que tentar capitalizar um anseio forte e urgente de toda a população. De aposentados a estudantes secundaristas, ninguém agüenta mais: "Moralidade já!", "Ética na política e nas relações sociais!".

Sob certo ponto de vista, não deixa de ser surpreendente esse clamor: afinal, a moral não foi precisamente uma das realidades "abolidas" pela geração contestaria, sob o signo de 1968? Mas o fato é que a moral não se deixa substituir facilmente, "assim sem mais", pelos novos ideais do individualismo massificado, da provisoriedade e do consumo. O problema do sentido da existência não entra no rol dos descartáveis; pelo menos, não se pode prescindir dele por muito tempo...

Mas, se todo mundo clama por moral, nem todos têm uma idéia clara do que entendem por moral ou do porquê da ética, dos fundamentos da moral. Nesse sentido, nós, que não temos a aprender com os antigos em matéria de ciência ou tecnologia, nada perdemos ao abrir um diálogo com eles nesse outro campo, em que estamos tão despreparados e eles detêm uma sabedoria "de ponta", de extrema atualidade.

O homem de hoje tem dificuldades para compreender o verdadeiro sentido da moral porque, ao pensar em moral, costuma imaginar alguma coisa ligada a regras e proibições, imposições mais ou menos incômodas e arbitrárias, procedentes de pais, professores, ministros religiosos; enfim, associa o tema a limitações da liberdade individual feitas pela sociedade. Totalmente outra é a concepção de nosso interlocutor antigo preferencial, Tomás de Aquino, que nem sequer poderia conceber a moral como algo imposto, nem como "assunto reservado a religiosos" e, menos ainda, como algo constrangedor ou repressivo à liberdade humana! O que, sim, ele afirma é que a moral é o ser do homem, doutrina sobre o que o homem é e está chamado a ser.

Sim, porque para Tomás a moral é entendida como um processo de auto-realização do homem; um processo levado a cabo livre e responsavelmente e que incide sobre o nível mais fundamental, o do ser-homem: "Quando, porém se trata da moral, a ação humana é vista como afetando, não a um aspecto particular, mas a totalidade do ser do homem...; ela diz respeito ao que se é enquanto homem".

Surge, neste instante, o que, para Kant, é o princípio supremo da moralidade: a autonomia da vontade, ou seja, a propriedade pela qual ela é para si mesma sua própria lei. O principio de autonomia indica “não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente no querer mesmo, como lei universal".[1]

A este princípio, Kant oporá um outro, o da heteronomia, como sendo a "fonte de todos os princípios ilegítimos da moralidade".[2] A heteronomia surge sempre quando a lei que determina a vontade não possuir sua máxima de acordo com a legislação universal. A vontade deixa de ser ela mesma sua própria legisladora, e é guiada por leis que se originam na relação entre ela e seus objetos.

Se a função da razão que temos é transformar a vontade em vontade boa e, conseqüentemente autônoma, ou seja, livre – já que a submissão a si mesmo, e não a qualquer coisa fora de si, é liberdade – o homem tem como dever caminhar para o seu fim moral, obter a sua liberdade, submetendo-se às leis próprias da liberdade, porque "se a razão não quer se submeter à lei que ela se dá a si própria, tem de se curvar ao jugo das leis que um outro lhe dá; pois sem alguma lei nada, nem mesmo o maior absurdo, pode exercesse por muito tempo”.[3]

A vontade autônoma é aquela que se submete à lei moral encontrada por ela mesma, lei que define sua liberdade. E é esse o dever que se impõe ao homem: ser livre.

Em suma, ser livre é deixar-se ou melhor flexionar-se em si mesmo, ou seja, dobrar-se aos seus anseios, pois, esses desejos são os que nos tornam presos.

"A mosca que pousa no mel não pode voar; a alma que fica presa ao sabor do prazer, sente-se impedida em sua liberdade e contemplação."

São João da Cruz





[1] Kant, I., Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Editora Abril, Col. Os Pensadores, SP, 1973, p.238.
[2] Idem. Ibidem.
[3] Kant, I., O que Significa Orientarse no Pensamento?, in Textos Seletos, Ed. Vozes, Petrópolis, 1985, P.94.

2 falações!:

Kleber Nunes disse...

Bom texto!

E não é Tomás... é SÃO TOMÁS!!!

Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk


\o

Michel Chaves disse...

uahuahuahauhauhauhauh

É verdade amigo!

Erro meu...

uahuauhauhauhauhauha