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sábado

O Capital II...

"A queda da burguesia e a vitória do proletariado não se concretizaram. Mas, na obra de Marx, os erros ou profecias não cumpridas sobre o capitalismo são ofuscados e transcendidos pela acurada precisão com que revelou a natureza deste monstro. Enquanto tudo que é sólido continuar se desmanchando no ar, o vívido retrato feito emO Capital das forças que governam nossas vidas – e da instabilidade, alienação e exploração que produzem – jamais perderá a ressonância ou o poder de colocar o mundo em foco."

Francis Wheen

Lina e sua agenda...

Autor: João Felício é secretário de Relações Internacionais da CUT e secretário Sindical Nacional do PT.


O jornal Folha de S.Paulo publicou extensa matéria em sua edição do último domingo com o sugestivo título: "Lina acha agenda que teria data de reunião com Dilma". Recém-chegado do exterior, me vi estimulado a escrever este breve comentário.

Há 15 anos estou na executiva nacional da CUT participando de atividades pelo mundo afora, prática que se intensificou no último período quando fui eleito secretário de Relações Internacionais da Central, com intervenções em fóruns, eventos e seminários.

Sempre analisei a forma como dirigentes sindicais, governantes e jornalistas de outros países se relacionavam com o Brasil, e não há como deixar de fazer comparações, traçar paralelos sobre o ontem e o agora.

Confesso que nos últimos anos vêm crescendo imensamente o respeito e a admiração pelos avanços que temos obtido, particularmente dos resultados colhidos pelos projetos sociais do governo federal, como o Bolsa Família, Luz para Todos, Prouni, PAC e o Minha Casa, Minha Vida. Programas e medidas que se somam às políticas de crédito e de incentivos às moradias populares, urbanas e rurais.

Neste momento, foi tema de seminário em Berlim, do qual participei, a forma com que o nosso país está saindo da crise devido à rapidez das medidas tomadas pelo governo, pela diversificação da economia, pelo investimento no mercado interno e, especialmente, pela política de valorização do salário mínimo.

Nunca fui de ficar entusiasmado com excesso de elogios e muito menos de críticas, mas estou empolgado com o novo Brasil que está surgindo. Em países tão diferentes como a África do Sul e a Alemanha, pude ouvir calorosos aplausos de pessoas dos mais variados matizes políticos e ideológicos. Todos querendo saber o que está ocorrendo por aqui e manifestando profunda admiração.

Qual não foi minha surpresa quando desembarquei em São Paulo e comprei os jornais para me "atualizar". Parece até que desci em outro país, pois aquela boa imagem que temos lá fora se viu, repentinamente, embaçada pelos meios de comunicação.

Defendi e defendo a liberdade de imprensa, o direito à crítica. Não a unidirecional, oportunista, que se guia pela desqualificação; a embasada. Definitivamente a imprensa brasileira não é livre, não pratica a liberdade, a não ser o de meia dúzia de famílias que mandam e comandam, mentem e caluniam impunemente.

Na verdade, respondendo aos interesses de seus donos, boa parte da mídia constrói uma realidade virtual, onde o supérfluo vira manchete, a banalidade ganha o pódio e o que não tem importância nenhuma se transforma na grande notícia do dia. O que é importante, com certeza porque contraria os interesses desta elite, fica completamente secundarizado, quando é veiculado. Quando a notícia é boa, rapidamente sai do noticiário. Se for algo que, na avaliação desta mesma mídia, é contrário ao governo ou aos movimentos sociais, a "informação" permanece durante vários dias, às vezes até por semanas e meses.

Recentemente o Brasil foi reconhecido como o país que mais combateu a fome. Ganhou o Prêmio Políticas do Futuro (Future Policy Award), entregue ao governo brasileiro em cerimônia realizada na sede da Prefeitura de Hamburgo, norte da Alemanha. A importante premiação passou completamente em branco na imprensa brasileira, salvo raras e honrosas exceções, que só confirmam a regra da cortina de fumaça e de silêncio contra qualquer agenda positiva.

Em vez de se preocuparem com a consolidação da democracia, com o fortalecimento do Estado, com uma administração republicana, a maior parte dos meios de comunicação se comporta de forma antidemocrática e antiética, com um partidarismo que beira o esculacho.

Em agosto foi realizado o Congresso Nacional da CUT, com mais de dois mil delegados e mais de cem delegados internacionais. Não foi veiculada nenhuma notícia na imprensa. Tanto na África do Sul como em congressos que participei pelo mundo afora, o congresso da central sindical local aparece na primeira página, de forma positiva ou apenas informativa. Só não são destaque onde a imprensa também é autoritária e excludente, como a daqui.

Analisando friamente sobre o caso Lina: qual a relevância que tem para o país e para a sociedade brasileira a ex-secretária da Receita Federal ter achado a sua agenda? O que explica tamanho furor para manchetar uma funcionária, cujo marido foi ministro de FHC? Qual a importância que isto tem? Oh! A Lina achou sua agenda, pessoal. Vejam que esta é uma confissão cabal, por inteiro, da mais completa ausência de assunto para espinafrar o governo. Garimpam notícias sem a menor importância, transformando o lixo em luxo ao sabor da conveniência.

Beirando o ridículo e extravasando cinismo, a imprensa brasileira, dominada pela oposição demo-tucana, quer que Lina volte ao palco, que acendam-se os holofotes, que se pintem de ouro os microfones e elevem-se às alturas o volume das caixas de som, para que a ex-secretária, agora sua salvadora, volte a reacender o fogo da infâmia contra a candidata do Lula.

O que dizer para a dona mídia? Pobre menina rica.

sexta-feira

Esquerda Reafirmada...

Fonte: Blog Panscopia


Tarso Genro e Vinicius Wu publicaram, no dia 10 de Março de 2009, um artigo no site nacional do Partido dos Trabalhadores intitulado “Esquerda renovada”, tendo por objetivo apresentar, como transmite a mensagem de seu subtexto, “Subsídios para uma nova ação estratégica do PT”. Afirmamos que a estratégia proposta por eles traz possibilidades desastrosas para o Partido dos Trabalhadores. É a prova viva, palpável, de que o espelho da esquerda, mais freqüentemente e amplamente do que aceitamos, tem o reflexo único da classe burguesa-capitalista, apesar dos pretensos “socialismos” espalhados como vírgulas. Explicaremos o porquê.

ESQUERDA REAFIRMADA

Tarso Genro e Vinicius Wu publicaram, no dia 10 de Março de 2009, um artigo no site nacional do Partido dos Trabalhadores intitulado “Esquerda renovada”, tendo por objetivo apresentar, como transmite a mensagem de seu subtexto, Subsídios para uma nova ação estratégica do PT”.

Estamos certos de que, por ser uma estratégia que está sendo proposta ao PT e a todos nós, petistas, devemos nos posicionar, seja para nos situarmos contra ou a favor àquilo que se entende constituir a via para o socialismo. Não foi senão sob esse propósito que eles decidiram compartilhar conosco suas preocupações sobre os rumos do PT nos próximos anos, e reconhecemos que é sempre meritório fomentar o debate. Contudo, não podemos nos esquecer de observar que Tarso Genro e Vinicius Wu alinham-se ao campo Mensagem ao Partido, que no seu interior arregimenta tendências do PT, entre as quais a Democracia Socialista. O que eles dizem, assim, é a expressão não somente das concepções de cada um, mas sim de um grupo organizado e suficientemente autônomo para desenvolver uma elaboração teórica própria.

Motivou-nos escrever este artigo a percepção de que palavras não são simples palavras[i]. Desvendar tudo que vem do “lado de lá” – ou seja, do campo contrário a qualquer ruptura da ordem estabelecida – é necessário para a construção de alternativas autênticas e coerentes que levem a uma formação social sem classes sociais.

E é a partir desta percepção que afirmamos: a estratégia proposta por eles traz possibilidades desastrosas para o Partido dos Trabalhadores. É a prova viva, palpável, de que o espelho da esquerda, mais freqüentemente e amplamente do que aceitamos, tem o reflexo único da classe burguesa-capitalista, apesar dos pretensos “socialismos” espalhados como vírgulas. Explicaremos o porquê.

TRABALHO DE SÍSIFO

Na mitologia grega, Sísifo foi considerado o mais astuto dos mortais. Ousado e possuidor de grande esperteza, enganou e desafiou o poder dos deuses a cada vez que escapava da morte. Tanta audácia provocou a ira de Zeus – deus supremo -, que o enviou ao inferno. Lá, Sísifo foi condenado por toda a eternidade a rolar uma grande pedra até o cume de uma montanha. Nunca conseguia completar o trabalho, já que por uma força irresistível a pedra rolava abaixo.

O direcionamento proposto por Tarso Genro e Vinicius Wu levará o Partido dos Trabalhadores a desempenhar um papel que lembra a imagem de Sísifo, e de forma invertida psicologicamente. O partido não empurrará a pedra como castigo de sua “personalidade ousada”, mas acreditará fielmente em seu esforço; a classe capitalista não irá reprimir nosso partido devido às suas tentativas de transformação, e sim estará aos risos a cada vez que a pedra – a acumulação de capital – rolar a montanha, de forma acelerada. Por que isso ocorreria?

É na introdução do artigo (”Uma nova estratégia”) em que se revela a principal tese dos autores, presenteando-nos abertamente com orientações teóricas esclarecedoras de seu rumo conservador:

“Uma estratégia política socialista, conduzida por um partido de esquerda nos dias de hoje, deve recuperar os valores tradicionais da social-democracia pré-bolchevique e do socialismo democrático europeu e latino-americano¹ – república, igualdade e afirmação de direitos – atualizá-los e vinculá-los aos interesses concretos e às demandas políticas dos grupos e classes sociais, para as quais o crescimento econômico e a distribuição [de] renda são uma necessidade ou uma exigência.”

Ganhamos um presente; mas precisamos retirar o laço e o papel de embrulho. O que é exatamente a “social-democracia pré-bolchevique”? Em que contexto mais amplo estão inseridos os valores citados? Tomando-se como referência o período entre a morte de Friedrich Engels (1820-1895) e a Revolução Russa (1917), encontramos Eduard Bernstein (1850-1932) como um dos grandes expoentes dessa corrente não-revolucionária. Estabelecido esse marco, podemos recorrer ao seu pensamento para entender o que Tarso Genro e Vinicius Wu estão propondo:

“Segundo a elaboração teórica bernsteiniana, dever-se-ia empreender um esforço de revisão e correção3 das teses enunciadas por Marx e Engels. Haja vista que o capitalismo teria demonstrado uma grande capacidade de adaptação e estabilidade, comprovada pela ausência de crises e pela crescente democratização do Estado Liberal de Direito, a hipótese determinista que previa o colapso inevitável do sistema deveria ser descartada. Conseqüentemente, caberia aos socialistas a renúncia da ‘utopia revolucionária’ e a adoção de estratégias políticas que permitissem, no interior do sistema democrático capitalista, a conquista gradual de melhorias para as classes trabalhadoras. Estas medidas levariam enfim o Estado à perda de seu caráter de classe, assumindo a defesa do ‘interesse geral’ (Bernstein, 1982).” [ii]

E mais à frente:

“De acordo com a teoria bernsteiniana, a utilização dos princípios da filosofia da história de Hegel [concepção dialética] levaria em último caso à justificação do emprego da tática revolucionária através da força. Neste aspecto, o marxismo estaria ainda estreitamente vinculado ao blanquismo, no que tange à sobrevalorização da força criadora da violência revolucionária e à idéia de conquista do poder político através de golpes revolucionários (Bernstein, 1982). Amparando-se na última obra de Engels, a introdução elaborada em 1895 à ‘Luta de Classes na França’, Bernstein manifesta abertamente seu repúdio à via revolucionária, defendendo firmemente o reformismo e o papel da atuação parlamentar e sindical na consecução dos objetivos da classe operária.” [iii]

De fato, o presente recebido bem se relaciona com o mito, já que lembra a conhecida expressão “presente de grego”.

Os valores de “república” e “igualdade” devem nortear uma ação que não deixe as classes sociais em luta, mas sim que se unam em prol da “nação”. Ou seja, deve-se elaborar uma estratégia não-revolucionária, em torno da suposta possibilidade de fortalecimento do Estado de Direito, que levaria a uma aproximação entre as classes. Temos aí, pelo menos, duas ilusões: a crença em um movimento de tipo “evolucionismo social atualizado” [iv]; e a pretensão de ser uma renovação da esquerda.

Quanto à primeira, podemos depreender o seguinte: todas as dificuldades que a humanidade já enfrentou, e enfrenta, têm suas razões decorrentes de sentimentos individualistas e egoísmos; contudo, se construirmos um sentimento de “identidade nacional”, havendo cooperação entre classes, dentro de uma “democracia substancial”, chegaremos ao socialismo. Pronto, muito fácil.

Diz-se “atualizado” por referir-se à operação lógica de revisitar o estatismo[v], herdado de uma orientação socialista revolucionária, mas que agora se expressa numa necessidade de se diferenciar dos tucanos, opondo-lhes um projeto que, em seu limite, é pós-neoliberal. Ou seja, mantém-se ainda limitado aos marcos da produção capitalista: como obviamente se pode imaginar, essa evolução ao socialismo não aconteceria livremente, necessitando-se, pois, de um Estado sólido, que regule o mercado, com o aproveitamento do seu “potencial positivo”, prevenção dos “abusos” dos banqueiros e implementação de políticas que “aproximem as classes sociais” [vi]. Aqui, qualquer relação entre essa ideia e a insígnia “ordem e progresso” (ou seja, o progresso só é possível mantendo-se a ordem), proclamada pelos positivistas e cravada em nossa bandeira não será mera coincidência.

Por muitos anos, e a isto se assiste ainda hoje, nas salas de aulas dos cursos ligados às ciências humanas e sociais, a concepção dialética em Marx, trazida ao materialismo histórico, foi vulgarmente criticada por implicar um determinismo do triunfo do proletariado sobre o capital. Correspondendo ou não à verdade, não é determinismo maior a ideia de que é possível haver um “evolucionismo social”?

Independente da possibilidade do movimento de evolução, o horizonte que se têm em vista é inalcançável. Isso porque a ideia que temos hoje de “república”, de “democracia”, inclusive de “Estado”, é a ideia realmente existente, não sendo de maneira alguma possível ressignificá-la senão através de uma intervenção na gênese do real, isto é, na origem de toda relação social pela qual o conhecimento vem a ser apropriado.

Haverá quem diga que estamos distorcendo o que os autores propõem, e associá-los ao liberalismo é mero artifício intelectual, exercício de retórica, verborragia ou mesmo, digamos, “diletantismo acadêmico”. Porém, reparem no trecho primeiramente citado; fala-se de “interesses concretos (…) dos grupos e classes sociais, para as quais o crescimento econômico e a distribuição [de] renda são uma necessidade ou uma exigência”.

A ausência de qualquer referência específica à classe trabalhadora, ou ainda às classes trabalhadoras, não pode, de maneira alguma, ser considerada por acaso. Essa omissão significa declarar uma opção política, ainda que processada inconscientemente. Afinal, é óbvio que crescimento econômico não é necessidade ou exigência apenas da classe trabalhadora; os capitalistas auferem muito mais lucros em momentos de crescimento, e um melhor nível de distribuição de renda aumenta a quantidade de pessoas com poder de consumo, sendo este necessário à própria realização cíclica de capital.

Assim, fica clara a segunda ilusão, a pretensão de esses subsídios orientarem uma renovação da esquerda, já que transitam entre o projeto das revoluções burguesas e a submissão do socialismo a esse mesmo projeto, via personalidades como Eduard Bernstein e Karl Kautsky (1854-1938).

TOQUEM A NONA SINFONIA AÍ

Nada disso, portanto, vem ao acaso. Assim é que as concepções da “nova ação estratégica” pretendem estar amparadas na realidade, numa aparente mudança das configurações e relações de classe no Brasil.

Exemplo claro disso é o tópico por cuja leitura se percebe algo que inspira a preocupação dos autores. Ele intitula-se “A nova ‘Questão Democrática’ as novas classes médias no Brasil” e pode ser resumido nos seguintes trechos:

“As ações de governo do Presidente Lula vêm mudando, internamente, as classes e as relações entre os diversos segmentos sociais no país. Além das classes e setores de classes tradicionalmente existentes na nossa formação social capitalista emergente e dependente, [...] surgem novos grupos sociais no entorno e no interior das classes trabalhadoras e das tradicionais ‘classes médias’. Alguns destes setores já são chamados de ‘nova classe média’ [...] Dentro destas novas classes emergentes e grupos sociais renovados, no interior das classes sociais tradicionais (também tocadas economicamente e culturalmente por estas mudanças) já existe uma disputa política e ideológica – espontânea ou deliberada – sobre os rumos da sociedade brasileira atual. [...] A disputa, na verdade, é pela apropriação dos frutos da democracia, sobre o ‘valor’ – econômico e social – da preservação ambiental e sobre a qualidade de vida nas grandes regiões metropolitanas”.

E conclui no tópico seguinte, “O futuro da Revolução Democrática: apontamentos para uma nova síntese programática”:

“Novos sujeitos sociais despontam no cenário político nacional. Sua efetiva integração à democracia brasileira será um elemento decisivo para a renovação da utopia democrática que deu origem à vitória eleitoral das forças populares em 2002 e 2006″.

Isto é, um dos motivos por que seria necessária a “nova ação estratégica” para o PT, retomando o primeiro enunciado do trecho anterior, residiria nas “[...] ações de governo do Presidente Lula [que] vêm mudando, internamente, as classes e as relações entre os diversos segmentos sociais do país”.

Há muitas controvérsias a respeito do que Genro e Wu compreendem por classes sociais. Em linhas gerais, partindo-se de uma simples pergunta, “o que é classe social?”, podemos identificar as posições de um e de outro:

“[...] perante o sistema capitalista, a convicção sobre sua transitoriedade e o objetivo procurado pela análise. Há os que querem entender o funcionamento do sistema para flagrar suas fragilidades e lutar para superá-lo. O objetivo de outros é compreendê-lo para melhorar sua defesa e manutenção. E há aqueles que querem conhecer as tendências da opinião pública para melhorar o desempenho eleitoral ou vender melhor um produto” [vii].

Entendemos que o Partido dos Trabalhadores é um partido socialista, e como tal deve figurar entre aqueles que buscam “entender o funcionamento do sistema para flagrar suas fragilidades e lutar para superá-lo”.

Porém, o conceito de classe, embora pareça substancializar um conteúdo decisivo para os que lutam pelo socialismo, não é suficiente para a compreensão do sistema no seu todo. Prova disso é a própria banalização do conceito, que acontece nas palavras de Tarso Genro e Vinicius Wu, confundindo classe social e relações de classe, com os chamados “grupos de status”, separados uns dos outros pelos seus níveis de renda, excluindo os antagonismos realmente existentes entre setores cuja principal diferença reside no lugar que ocupam num sistema de produção social[viii] historicamente determinado, na mesma medida em que permite igualá-los de acordo com critérios de renda, acesso a bens e grau de escolaridade. A classe média, então, define-se:

“[...] como aquela que espera uma posição melhor no futuro e planeja sua vida nesse rumo. [...] Essa é a origem de ferramentas conceituais das quais o Critério Brasil é um exemplo, em que o acesso a bens, renda e educação leva à soma de pontos que define a classe [...] A partir daí foi desenvolvida a teoria econométrica, supostamente objetiva, que fundamenta a diferenciação em níveis de consumo A, B, C, D e E, utilizada pelos institutos de pesquisas e popularizada pela imprensa.

Essas definições de classe social têm dois defeitos fundamentais. Um é o seu subjetivismo; outro, um objetivismo arbitrário, baseado no acesso aos serviços e bens de consumo ou numa característica mutável que é a profissão. A esfera da distribuição das mercadorias é posta no centro da análise, desconsiderando a posição das pessoas nas relações sociais de produção que geram as riquezas e determinam a cota de cada um em sua distribuição.” [ix]

O corte produção x distribuição não é apenas uma falha no método. Trata-se de uma entorse cavalar na apropriação do conhecimento teórico. É problema de forma, de conteúdo, que desemboca num problema aborrecedor de concepção. O que é pior: todos esses equívocos se expressam sob a forma de deliberada opção teórica.

Genro e Wu admitem que as diversas expressões do conjunto social, inclusive aquelas que caracterizaram e conformaram os governos democráticos desde a consolidação da burguesia no poder político e econômico na história da humanidade, i.e., final do século XIX e início do século XX, realmente apareçam ao “indivíduo” como simples meios de realizar seus fins privados.[x]

Assim, numa produção (e distribuição) desregulada, as pessoas permitir-se-iam toda classe de arbitrariedade, necessitando regular a distribuição de bens, separando-a da própria produção, para que o direito de força enfim sobreviva na forma de democracia, ou “Estado Democrático de Direito”. Tal não é senão uma concepção política do liberalismo clássico, já criticada por Marx em 1857[xi].

Pode parecer paradoxal situarmos a orientação deles primeiro, como expressão de uma socialdemocracia pré-bolchevique, e agora, do liberalismo clássico. Mas, de fato, é assim que a coisa se dá.

Uma estratégia socialista por transição – e não por ruptura, que é um dos principais elementos que eles desejam eliminar das elaborações de parte da esquerda – não tem uma unidade interna autônoma, que supere o liberalismo. Ou seja, por não compreender a natureza de uma sociedade fendida, dividida, partida em classes sociais, e a luta entre elas, expressa das mais variadas formas, essa estratégia linear baseada na progressão, nas conquistas graduais, enfim, na evolução social mediada por um Estado sólido, seja na forma de instituições democráticas consolidadas, seja numa economia participativa, não atinge nenhum modelo societário no qual tenha fim a exploração humana por si mesma.

No limite, o ânimo de Genro e Wu diante do crescimento da classe média, da emergência de “novos sujeitos políticos e sociais”, ampliação do acesso a bens e serviços, pode ser interpretado na convicção de que essa será uma tendência natural do curso da sociedade capitalista, caso esta se mantenha alinhada ao eixo da dita “revolução democrática” e as forças políticas que venham a apoiá-la. Um raciocínio equivocado, já que a existência de uma ampla massa de consumo só reinjeta combustível à realização cíclica de capital:

“‘Para crescer em bases sólidas e de forma sustentada [...], uma economia precisa ser puxada pela classe média. [...] É isso o que interessa no argumento: trata-se da mudança capitalista da sociedade, que incorpora uma massa vista como capaz de dar garantia, consistência e segurança para o sistema. [...] Na medida em que o capitalismo desenvolve suas forças produtivas, essa classe aumenta em tamanho e influência’, diz Swingewood (Marx e a teoria social moderna, Civilização Brasileira, 1978)” [xii].

Por certo, aliás, que se advogássemos aqui um socialismo que se desvincula de todo e qualquer elemento do sistema liberal estaríamos na própria lógica do argumento evolucionista. Numa compreensão dialética da história sabemos que elementos anteriores reaparecem posteriormente, em novas sínteses. Contudo, nossa exposição tem mostrado que não há esse movimento; o que há é apenas uma tentativa de síntese entre um liberalismo político e um anti-liberalismo econômico.

Socialismo não é o conceito de Tarso Genro, ou de Vinicius Wu, por mais que apresentem como algo que queira ser diferente. Socialismo é conceito porque é histórica e socialmente determinado; ele é o que significa porque, como conceito, ideia, palavra, reúne significados no seu entorno, e ao fazê-lo só reassume sua forma de signo, linguagem, que não existe senão em sua forma social. Tranquilamente, e “sem medo de ser feliz”, portanto, reafirmamos que socialismo, em primeiro lugar, é socialização dos meios e instrumentos que, sob o controle da propriedade privada, dirigem a atividade produtora e reprodutora de vida, qual seja, a produção social. E ponto.

Porém, ardorosos dirigentes do campo “Mensagem ao Partido” realmente crêem na cisão entre o concreto e o abstrato, autonomizando o pensamento, assim como “Hegel [que] caiu na ilusão de conceber o real como resultado do pensamento que, partindo de si mesmo se concentra em si mesmo, se aprofunda em si mesmo e se movimenta por si mesmo” [xiii]. Em outras palavras, não compreendem o campo político como expressão, como “cara”, do campo das relações econômicas, onde é definido o que e como será produzido o que a humanidade precisa para sua continuidade; pelo contrário, é como se política e economia pudessem ser definidas independentes uma da outra. Tal idealismo ganha voz em outro artigo, sendo um dos autores o próprio Vinicius Wu, nesta passagem:

[Valter Pomar] não diferencia liberalismo econômico de liberalismo político. É reducionista na tentativa de ser convincente. Produz confusões – talvez intencionais. Argumenta contra o liberalismo ético e o republicanismo como se Milton Friedman e Norberto Bobbio pertencessem a um mesmo campo!” [xiv]

Em outras palavras, não compreendem o campo político como expressão, como “cara”, do campo das relações econômicas, onde é definido o que e como será produzido as mercadorias que vem garroteando, entre tempos e crises, as possibilidades de emancipação da humanidade; pelo contrário, é como se política e economia pudessem ser definidas independentes uma da outra.

A insuficiência do raciocínio é patente; fica clara quando, indignados, opõem Friedman e Bobbio. Para as análises que, paradoxalmente, mantêm-se na superfície da realidade, a distinção entre ambos é óbvia e profunda. Por outro lado, quando a análise se estende como exige o rigor científico, concluímos que Bobbio, conhecido por sua proposta de um “socialismo liberal”, pode opor-se a um monetarismo e à supremacia do mercado “autorregulado” [xv], mas de forma alguma nega o capitalismo, assim como também não o faz, muito pelo contrário, Milton Friedman. Perry Anderson, historiador marxista inglês, escreveu que:

“A aceitação de um regime democrático pressupõe a aceitação de uma ideologia moderada’, declara ele [Norberto Bobbio]88. Porque ‘decisões da maioria numa ordem política baseada no sufrágio universal permitem alterações no sistema, mas não permitem uma alteração DO sistema’89. A permanência do capitalismo como ordem social torna-se, em outras palavras, uma premissa de qualquer participação efetiva no estado representativo. (…) Acerca dos dois problemas – ‘quem governa e como governa?’ – Bobbio declarou sem maiores cerimônias em 1975: ‘não é possível haver dúvidas de que o segundo sempre foi mais importante que o primeiro’91. SEMPRE. Em outras palavras, o que importa não é qual classe domina, mas a maneira como domina. Neste ponto torna-se manifesta a opção de Bobbio, ao nível mais profundo, pelo pólo liberal de seu pensamento. Pela mesma razão, das duas críticas da democracia representativa presentes em seus escritos, a conservadora, e não a socialista, pesa mais no final. Em seus escritos mais recentes, essa crítica chega a tender – numa imagem bem conhecida – a transformar-se numa apologia perversa. Assim, transformando a necessidade em virtude, Bobbio pode escrever: ‘A apatia política de modo algum é sintoma de crise num sistema democrático; geralmente é sinal de boa saúde’92. Ela significa uma ‘indiferença benévola’ em relação à política enquanto tal, fundada no bom senso.” (destaques nossos)[xvi].

Portanto, sem “provocar confusões” ou sermos “reducionistas”, afirmamos: não existe, a não ser como operação intelectual, o liberalismo político e o liberalismo econômico, e suas respectivas antíteses. Como se isso ainda não bastasse, deixando a esfera da circulação (monetarismos, financeirismos, etc.), e adentrando a esfera produtiva, afirmamos também que Bobbio e Friedman pertencem a um mesmo campo: o liberalismo.

CAIXA DE PANDORA OU CANTO DO CISNE?

Por tudo isso, estamos convictos de que os “Subsídios para uma nova ação estratégica do PT”, não contribuem para reconduzir o nosso partido para um caminho de resistência contra o capital, tampouco para a sua superação.

Nem de longe pode ser ela considerada uma “estratégia política socialista”, ainda que no final do artigo se assista ao desespero de reiterar a palavra “socialismo”, na mesma aflição com que se tenta ressignificar valores como “democracia” e “igualdade” somente pelo uso da abstração, sem para isso interferir nas formas significantes da atividade econômica[xvii].

Neste momento, é bem possível que Tarso Genro e Vinicius Wu, se querem ainda declarar-se socialistas, traem-se com suas próprias palavras, como o incauto que se engana ao contemplar a famosa tela de René Magritte, “A traição das imagens”, e insistir que aquilo que vê é, realmente, um cachimbo, e não a representação de um cachimbo.

Esquecem-se – ou, infelizmente, têm plena consciência disso – que com suas proposições recuperam, nada mais e nada menos, o liberalismo, tal como ele é, com ou sem adjetivações que lhe atribuam qualidades na pretensão ilusória de modificá-lo.

Preocupa-nos, com franqueza, que parte considerável de nosso partido tenha se esquecido, e outra parte deliberadamente abandonado, o que significa uma sociedade dividida entre capitalistas e trabalhadores; que a única igualdade que existe entre as pessoas enquanto a sociedade for dividida desta forma é serem iguais proprietários de mercadorias (respectivamente, dinheiro-capital e força de trabalho), que podem ser trocadas. Neste quesito em particular, poderiam afirmar que é coisa de um “marxismo ortodoxo, economicista e anacrônico”. De fato, é mesmo de suscitar questionamentos. Justamente por isso, manda novamente o rigor nos estendermos mais um pouco.

Quais foram, então, as características centrais do capitalismo do século XIX desvendadas por Karl Marx (1818-1883), as quais ele apontou serem cerne de todas as contradições e disparidades desse sistema, e sobre cujas análise e crítica, inclusive, o Partido dos Trabalhadores se ergueu? A saber: a propriedade privada dos meios sociais de produção e o trabalho assalariado.

Partindo-se da constatação de que ambas as características estão presentes ainda hoje, o que nos deveria levar a pensar, ou imaginar, a possibilidade de um acordo entre capitalistas e trabalhadores, que, mantendo-se IDEALMENTE estável, beneficie ambas as partes permanentemente?

Situemos, portanto, as ideias em seus lugares e épocas e acrescentemos, numa mensagem (esta sim, sincera) a todos/as petistas que nada tem ou contém de novo aquilo que Tarso Genro e Vinicius Wu sustentam. Muito pelo contrário: Tarso Genro e Vinicius Wu traçam subsídios de uma estratégia para o Partido dos Trabalhadores não de disputa com a classe burguesa-capitalista; mas de disputa do próprio projeto dessa classe.

Fica a pergunta: “Como é possível pensar um presente, e um presente bem determinado, com um pensamento elaborado por problemas de um passado bastante remoto e superado?” [xviii]

Assim, a “nova ação estratégica”, proposta ao Partido dos Trabalhadores não responde aos nossos desafios presentes e futuros. A não ser, é claro, que se entenda nesse desafio a necessidade da mais absoluta corrosão de nosso programa. Parece ser o caso de Genro e Wu. Mas não é e nem deve ser o caso de um partido socialista como o PT.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

[i] “O debate terminológico não nos interessa por si mesmo. É que o uso das palavras traduz relações de poder e relações de dominação. (…) O março de 1964 (completado pelo apogeu a que chegou o golpe em 1968-69) ilustra muito bem a natureza da batalha que as classes trabalhadoras precisam travar no Brasil. Elas precisam libertar-se da tutela terminológica da burguesia (isto é, de relações de dominação que se definem, na área da cultura, como se fossem parte do ar que respiramos ou simples ‘palavras-chave’). Ora, em uma sociedade de classes da periferia do mundo capitalista e de nossa época, não existem ’simples palavras’ (…) Se a massa dos trabalhadores quiser desempenhar tarefas práticas específicas e criadoras, ela tem de se apossar primeiro de certas palavras-chave (que não podem ser compartilhadas com outras classes, que não estão empenhadas ou que não podem realizar aquelas tarefas sem se destruírem ou sem se prejudicarem irremediavelmente)”. (FERNANDES, Florestan. O que é revolução. São Paulo, SP: Brasiliense, 1984, pp. 8-10).

[ii] ANDRADE, Joana El-Jaick. Marxismo e revisionismo no final do século XIX. Disponível em:

http://www.anpuh.uepg.br/xxiii-simposio/anais/textos/Joana%20El-Jaick%20Andrade.pdf

[iii] Id.

[iv] Não é à toa que uma das principais obras de E. Bernstein chama-se Socialismo Evolucionário. Qualquer semelhança de concepção não é mera coincidência.

[v] Enfatizamos que não fazemos referência a “estatismo” em um sentido pejorativo. É apenas no sentido de “dar centralidade ao Estado”.

[vi]Cf. este trecho do artigo: “A constituição deste novo bloco histórico dependerá de um patamar superior de diálogo e de reconhecimento do conflito democrático na sociedade, capaz de ensejar uma “concertação política” inovadora. Seu centro doutrinário funda-se num programa acordado para a construção da nação, que considere relevantes o papel do Estado, a participação direta da sociedade na construção de políticas públicas e o potencial positivo do mercado socialmente regulado”.

[vii] RUY, José Carlos. Forçando a barra. In: “RETRATO DO BRASIL”, n°16, novembro de 2008, pp. 47-50.

[viii] “Produção social” já é uma redundância. Não há produção que não seja operada em sociedade. O uso da expressão é necessário porque é comum, na economia liberal, separar a produção da sociedade, uma independente da outra. A esse respeito, Marx ironiza: “A produção do indivíduo isolado fora da sociedade – uma raridade, que pode muito bem acontecer a um homem civilizado transportado por acaso para um lugar selvagem, mas levando consigo já, dinamicamente, as forças da sociedade – é uma coisa tão absurda como o desenvolvimento da linguagem sem indivíduos que vivam juntos e falem entre si” (MARX, Karl. Para a crítica da economia política. São Paulo, SP: Abril Cultural, 1996, p. 26).

[ix] Novamente extraído do artigo assinado por José Carlos Ruy, na publicação de Novembro de 2008 de RETRATO DO BRASIL

[x] Aliás, de suposta “pós-modernidade”, época em que o indivíduo, e seu conceito, foram pastichado, exacerbado até seu esvaziamento absoluto, num processo doentio de semiofilia, de “amor ao signo” social, isso se patenteia com ainda mais impacto, trazendo para nós a tarefa de criar novos conceitos que signifiquem a fundação de um novo ser social sobre outras formas de organizar a atividade produtora e reprodutora de vida. Não cabe a um partido socialista como o PT, tampouco a uma estratégia socialista para o PT, “recompor a ideia de nação na pós-modernidade”, já que se trata de superar a própria ideia de “pós-modernidade”. Isso implica, em primeiro lugar, superar o culto ao projeto “pós-neoliberal”, quando o que realmente interessa a uma estratégia socialista constitui a elaboração de um projeto “pós-capital”, passando-se enfim à ruptura da modernidade.

[xi] MARX, Karl. Para a crítica da economia política. MALAGODI, Edgard (trad.); GIANNOTI, José Arthur (colab.). São Paulo, SP: Abril Cultural, 1996, pp. 25-19.

[xii] Trechos extraídos do início e da introdução do artigo de José Carlos Ruy sobre a emergência das “novas classes médias”, na edição de RETRATO DO BRASIL já citada.

[xiii] MARX, Karl. Para a crítica da economia política. MALAGODI, Edgard (trad.); GIANNOTI, José Arthur (colab.). São Paulo, SP: Abril Cultural, 1996, pp. 39-40.

[xiv] WU, Vinicius; KOPITTKE, Alberto; CAROLINE, Louise. Um marxismo anacrônico. (Publicado no site do PT em 11/02/2007, em resposta a um artigo do companheiro Valter Pomar da mesma época). O texto poderia ser acessado diretamente através de um link do portal do PT, mas agora nos parece estar disponível somente em: http://www.brasilreporter.blog-se.com.br/blog/conteudo/home.asp?idBlog=10770&arquivo=semanal&inicio=11/2/2007&fim=17/2/2007

[xv] Entre aspas porque falar de “mercado que se regula” é um fetiche. Do contrário, estaríamos em vão lutando contra uma divindade.

[xvi] ANDERSON, Perry. As Afinidades de Norberto Bobbio. In: “Novos Estudos CEBRAP”, n. 24, 1989b, pp. 14-41.

[xvii] Notem o enfoque, no texto de Genro e Wu, à “crise do paradigma neoliberal”, “crise do sistema financeiro global”, sempre com o cuidado de não fazer menção a expressões como “crise do capitalismo” ou coisa que o valha.

[xviii] GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. COUTINHO, Carlos Nelson (trad.). 4ªed. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1981, p. 13.

quinta-feira

Sorria...




Globo e Tucano tudo a ver...

Para o jornalismo de esgoto da Rede Globo de Televisão, FHC não enviou uma emenda ao congesso para mudar a Constituição Federal para autorizar sua reeleição.

Foi escandaloso, na edição do jornal nacional de ontem 21/10 a emissora tendenciosa e partidária, citou todos os presidentes da America latina que tinham mudado a constituição para se reeleger, todavia, não mencionou FHC , simplesmente por não querer misturá-lo a: o venezuelano Hugo Chávez, o equatoriano, Rafael Correa, o boliviano, Evo Morales e o colombiano, Álvaro Uribe que já espera o terceiro mandato seguido.

A Rede Globo esqueceu-se do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para como de praxe protegê-lo.

Fátima Bernardes menciona(como se fosse uma defesa dos golpistas) que em Honduras, Manuel Zelaya foi deposto exatamente por tentar modificar a constituição como fez o tartufo Fernando Henrique.

O espelho da América Latina...

Ex-guerrilheiro de esquerda e político carismático, José "Pepe" Mujica, de 71 anos, tem dito que, se eleito, se inspirará na gestão do presidente Lula, seguindo, diz ele, a receita de um manejo responsável da economia e a ênfase em políticas sociais e de distribuição de renda.

Duas pesquisas divulgadas esta semana dizem que Mujica terá entre 53% e 56% dos votos na convenção da Frente Ampla. O outro pré-candidato da coalizão governista, o ex-ministro da Economia, Danilo Astori - que no início da campanha chegou a receber o apoio de Vázquez , está na faixa dos 30%.

Para os sem embasamentos...

Existe uma professora que é reconhecidissima mundialmente em relação a AVALIAÇÃO lá na federal. Nome dela é Elizabeth Varjal.

E tem também Pierre Bourdieu. Comunga do Marxismo. Fala até de "Capital Cultural".

Vale a pena.

terça-feira

Bolívia...

O livro Bolívia nas ruas e nas urnas contra o Imperialismo (Editora Limiar, 112 páginas), de autoria de Leonardo Wexell Severo, assessor de Comunicação da CUT Nacional e editor do jornal Hora do Povo, começou a ser disponibilizado gratuitamente pela internet.

Conforme o editor, jornalista Norian Segatto, “a obra teve suas duas primeiras edições rapidamente esgotadas, mostrando o interesse das pessoas pela situação política e social do nosso país vizinho”. “Nada mais natural, do ponto de vista comercial, que novas tiragens do livro fossem feitas e colocadas à venda. No entanto, a vida não se faz apenas de oportunidades comerciais. Com a compreensão de que um tema desta importância deve ter a maior divulgação possível, a Editora Limiar e o autor decidiram colocar a obra em domínio público, gratuitamente para ser baixada da internet, lida, distribuída, reproduzida, enviada a amigos”, relatou.

Acesse o sítio da Limiar (www.editoralimiar.com.br) e procure o link “livro grátis”. Baixe o PDF, comente e ajude a divulgar a luta do povo boliviano contra a opressão secular a que está submetido. “Esta é nossa pequena contribuição para esta causa”, declarou Norian.

Na avaliação da cônsul geral da Bolívia, Shirley Orozco, que prefacia a segunda edição, “uma melhor apreciação e valorização da riqueza do processo em curso se deve à aproximação do autor, Leonardo Wexell Severo, que se deslocou até Tarija, La Paz e Santa Cruz em três momentos chaves da confrontação política. Ali, realizou entrevistas com atores sociais decisivos, visitou os locais de conflito e acompanhou de perto o desenrolar dos acontecimentos”. O valor do texto, acrescenta a representante boliviana, “também precisa ser ressaltado, já que possibilita o acesso a ‘outra informação’, dando subsídios para uma avaliação mais precisa sobre a realidade boliviana, geralmente invisibilizada pelos meios de comunicação no Brasil, formadores ou deformadores importantes da opinião pública. Uma mídia que, majoritariamente, aborda a problemática política e social de maneira míope, parcial, distanciada de qualquer objetividade e assumindo uma posição evidentemente contrária aos interesses nacionais, afrontando à maioria do país”.

"Bolívia nas ruas e urnas contra o imperialismo reafirma o compromisso com a integração latino-americana, com a luta pela soberania, com a independência e o desenvolvimento, com a justiça e os direitos dos povos à sua autodeterminação, livres das amarras de patrões, nacionais ou estrangeiros", assinala João Antonio Felício, secretário de Relações Internacionais da CUT, que faz a apresentação do livro, que traz artigos publicados originalmente no Portal do Mundo do Trabalho, no Hora do Povo e no Vermelho.


Fonte: http://www.pt.org.br/portalpt/index.php?option=com_content&task=view&id=83128&Itemid=195

segunda-feira

Chora direitalha...

Idealizador e articulador da candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência da República, o presidente Lula manifestou ontem, pela primeira vez publicamente, o desejo de que seus aliados se unam em favor de uma só candidatura. “Nós temos ainda seis meses para maturar e aí nós vamos anunciar. Eu gostaria que tivéssemos apenas um candidato, que fizéssemos uma eleição plebiscitária, ou seja, nós contra eles, pão, pão, queijo, queijo”, afirmou aos jornalistas em Floresta (PE), ao fim da segunda jornada de visitas às obras de transposição das águas do rio São Francisco, em companhia de Dilma e do pré-candidato do PSB, Ciro Gomes. Em entrevistas e num discurso, Lula dedicou-se especialmente a contestar críticas e a atacar críticos ao governo.

Provocado por um repórter a reagir à acusação feita na véspera pelo governador de São Paulo e pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, de que o governo não investe em irrigação no Nordeste, Lula atribuiu a manifestação do tucano a um interesse repentino e eleitoreiro.

“Eu não sabia que o Serra tinha alguma preocupação com o Nordeste. Mas, se começa a ter um pouquinho, perto das eleições, já é um bom sinal, é um bom sinal. (…) O que é triste é isso: é que vai passando o tempo, as pessoas não falam, as pessoas ficam mudas, e quando vai chegando perto das eleições as pessoas começam a preparar o discurso para a campanha.”

O presidente ainda mandou um recado ao pré-candidato do PSDB:
“O Serra que fique esperto, porque ele vai ver o que nós vamos inaugurar de irrigação no Nordeste nesses próximos meses – projetos que estiveram parados durante anos, e não por nossa culpa. Quem sabe, eu até convide ele para participar comigo da inauguração de alguns projetos, para ele compreender o que está acontecendo no Nordeste.”

Além de Serra, o presidente Lula desqualificou, sem citar nomes, vários opositores a seu governo e, em particular, às obras de revitalização e de integração do rio São Francisco, entre eles ambientalistas, jornalistas e governantes.

Leia, abaixo, as principais declarações feitas pelo presidente em entrevistas e discurso:
“Se dependesse da oposição, eu não fazia o primeiro (PAC), não faria o segundo, e ninguém faria nada. Porque o que a oposição quer é que o país pare para eles poderem ter razão, e o que a situação quer é trabalhar mais para não dar razão para a oposição. O dado concreto é que eles tiveram uma chance de fazer e não fizeram, e nós estamos fazendo.”

“Teve um bispo que até fez greve de fome para que a gente não fizesse essa obra. De vez em quando aparece um movimento em São Paulo, em Salvador, no Rio de Janeiro, contra a gente fazer água. (…) Quando a gente quer fazer uma obra como esta, aqueles que tomam café de manhã, almoçam, jantam, tomam água gelada todo dia, são contra a gente fazer esta obra.”

“É muito fácil o cidadão sentar em uma cadeira de almofada, com ar condicionado, no seu gabinete lá em São Paulo ou no Rio de Janeiro ou em Minas Gerais ou em Brasília, sem noção do que é o Nordeste brasileiro, do que é a pobreza, do que é o semiárido, e dando palpites, escrevendo lá: “eu sou contra porque não sei das quantas”. (…) Ser contra lá na Tijuca, no Rio de Janeiro, ser contra na Avenida Paulista é fácil. Eu sou contra, depois abro a minha geladeira, pego uma Perrier geladinha, tomo e ainda coloco um pouco no uísque. É muito fácil ser contra. Agora, venha para cá, carregar uma lata d’água na cabeça, com caramujo e tudo, colocando água para “sentar” em um pote para depois tirar com uma canequinha, água barrenta para beber… Então, as pessoas venham ver isso para poderem ter responsabilidade na hora em que fazem o julgamento das coisas, precipitadamente.”

“No fundo, no fundo, no fundo, as pessoas têm uma mania de brigar à toa, porque se algum governador foi contra ou se algum prefeito foi contra, ele deveria, antes de ser contra, saber se ele estava fazendo a sua obrigação para com o rio São Francisco, se ele estava fazendo tratamento de esgoto para jogar o esgoto tratado e jogar água limpa no rio São Francisco, se ele estava trabalhando para recuperar as matas ciliares, recuperar as margens do rio. A verdade é que ninguém estava fazendo isso. A verdade é que uma das razões de o rio São Francisco estar assoreado hoje é que, de forma irresponsável, as pessoas desmataram praticamente todo o cerrado em volta do rio São Francisco para fazer carvão, e, nunca, nenhum governador se importou com isso, nunca. A verdade é que você vê esgoto a céu aberto, caindo dentro do rio São Francisco, todos os dejetos humanos caindo, e ninguém cuidava.”

“Eu lembro do pronunciamento que fiz em 2006, retrucando o ex-governador do estado de Sergipe, que adorava posar para foto em uma ilha, no meio do rio São Francisco, dizendo que a água tinha acabado. A água não estava acabando por conta da transposição, porque ela nem existia. O rio estava assoreado por causa da irresponsabilidade dos governadores que vieram antes de nós e que não tiveram coragem de proibir o desmatamento de todas as matas à volta do rio São Francisco para fazer carvão. Eu conheço rios em Sergipe que são um verdadeiro esgoto a céu aberto, e eu não vi a preocupação dos críticos daquela época em cuidar daqueles rios que eram verdadeiros canais de esgoto, que jogavam tudo no São Francisco.”

Sobre as dificuldades para a realização de obras
“Eu tenho certeza: não existe nenhuma obra parada no Brasil por falta de dinheiro. Se tem alguma obra parada, é alguma coisa, ou da Justiça, ou de briga entre empresários, ou do Tribunal de Contas, porque falta de dinheiro não existe…”

“Fazer uma obra hoje no Brasil é muito difícil. Primeiro porque durante 25 anos esse país não cresceu e pelo fato dele não crescer nós fomos criando uma máquina poderosa de fiscalização, infinitamente superior à máquina de execução. (…) Você veja, hoje, um menino qualquer, do Ministério da Integração, da Casa Civil, do Banco Central, qualquer parte do Governo… se ele der autorização para uma obra acontecer e alguém entrar com um processo contra ele, sabe o que acontece? Ele tem seus bens indisponibilizados, vai para a Justiça e ele tem que contratar o próprio advogado. Então, as pessoas começam a criar dificuldades para não liberar a obra, porque as pessoas têm medo. Agora, ao mesmo tempo, quando o Tribunal de Contas da União ou o Ministério Público ou um outro órgão qualquer paralisa uma obra por um ano, essas pessoas não são responsabilizadas criminalmente, não têm seus bens disponibilizados. Porque deveria ser a lei igual para todos, ou seja, eu dou autorização para fazer uma obra, eu errei, eu posso ser punido. Mas quem também parou a obra e provou que estava errado, teria que ser punido.”

Sobre a geração de empregos
“Enquanto o mundo inteiro ainda está vivendo o problema do desemprego, nós, em setembro, geramos 252 mil empregos com carteira assinada. Até agora, de janeiro a setembro, foram 932 mil empregos, ou seja, vamos terminar o ano com mais de 1 milhão de empregos gerados, o que é um fato inusitado no mundo que está em crise porque nos Estados Unidos, o presidente Obama está festejando o fato de que o desemprego caiu de 400 mil para 200 mil. Nós aqui estamos festejando, em nove meses, a criação de 932 mil empregos com carteira assinada neste país.

Sobre a imprensa
“Em agosto de 2003, eu fui a Ford e disse aos trabalhadores da Ford que eles iriam assistir logo, logo ao espetáculo do crescimento. A imprensa inteira, sobretudo os analistas econômicos, zombaram de mim, muito; os chargistas cansaram de fazer charge ridicularizando a minha proposta. Só que ninguém tem humildade para pedir desculpas porque, em 2004 – eu falei em agosto de 2003 – em 2004, a economia cresceu 5,8%. E eu não vi ninguém pedir desculpas a mim, não vi ninguém.”

“Se vocês acompanharem a imprensa internacional, da Itália, da Espanha, da Alemanha, dos Estados Unidos, da Inglaterra, e vocês lerem o que eles afirmam da economia brasileira, e você pegar a imprensa brasileira, você pensa que está em outro país, porque aqui é um jogar para baixo. Vá ser azedo assim em outro lugar. (…) Eu aprendi, no governo, uma coisa: quem está governando não tem tempo para ficar mal-humorado. Quando a gente é oposição, quando a gente é radialista, quando a gente é jornalista, quando a gente está de fora a gente sabe tudo, a gente pensa tudo, a gente acredita em tudo. Quando você está no governo, você não pensa, você não acredita, você faz. Faz ou não faz. O que fizer, está feito; o que não fizer, você paga o preço.”

É pra Lutar...

Ora, o DCE é um movimento social nascido da luta, da necessidade e das bases. O DCE está em plena luta contra uma estrutura social e concentradora. Não se pode esperar sensatez do DCE da base da pirâmide social, que lutam por um direito básico do ser humano. Pelo contrário: é justamente a insensatez, a ousadia, a coragem de desafiar convenções que faz do DCE um dos movimentos sociais de fato transgressores na UPE. Pois quem só protesta de acordo com os termos determinados pelo Poder não está protestando de fato, mas sendo manipulado. Se os perigosos agentes vermelhos do DCE tivessem sensatez, vestiriam um terno e iriam para o Congresso fazer conchavos, não ficariam duelando com moinhos de vento, digo, com alguns DA’s.
Mas é justamente por isso que o DCE incomoda a tantos: ele, ao contrário de algumas gestões de DA’s, ousa desafiar as convenções: ele é um dos membros rebeldes de nossa sociedade que transgride o tabu e destrói o totem. Portanto, para restituição da ordem capitalista patriarcal e para aplacar a raiva reprimida, ele tem de ser punido. Ele é o outro.
Então vêm questionamentos: E como punir? Esvaziando os espaços? Retirar-se de processos? Deixar “a Deus dará” as coisas?
Não companheiros. O DCE é nosso. O DCE é pra lutar. Se, os DA’s que faziam parte de um “conjunto” se retiram do processo organizacional do CONEUPE, mostra cada vez mais que o processo é de moda, ou melhor, é um processo de conversa de “cumadres” que querem escutar só o que almejam e esquecem que a construção é o quociente de um debate apurado e coeso. Não vou ferir o direito de se retirar com gestão, tem todo o direito, mas, é de extrema irresponsabilidade tal fato e que esquecem que o CONEUPE, também, é de todos nós. Porque não somos poucos. Seremos neste CONEUPE em volta de 1000 alunos.
Poucos, muito poucos, não é mesmo? Até porque nem a sobrancelha erótica do Bonner nem o olhar-chicote da Fátima jamais se interessaram pela luta estudantil diária, nem por declarações que o DCE é suspeito, nem por um CONEUPE, por manifestações do Maio de 68, por bandeiras de lutas e nem POR OUTRA SOCIEDADE.
Para estes, resta, desde sempre, a mesma cova ancestral, com palmos medidos, como a parte que lhes cabe neste latifúndio.
Para os que saíram, se abster de um processo é ocupar os espaços, quero dizer, se recusar a construir um congresso direcionado aos próprios estudantes que, os mesmos, representam, isso no mínimo, é contraditório.
Mas os “bárbaros” e os centralizadores, guardada as suas proporções e conceitos, estão no DCE.
Por isso, haja o que houver, o DCE é o culpado.

Os 12 de "O Globo" e os "pelegos" da UNE...

Ao deparar na internet - aqui na Argentina, onde estou hoje - com a primeira página de “O Globo” de quarta-feira, 7, enfeitada pela foto a cores de uma dúzia de graciosos alunos de escolas particulares da Zona Sul do Rio, “apartidários” e “apolíticos”, a lançar “novíssimo movimento estudantil” pela reforma do ensino, não resisti à tentação de questionar outra vez esse jornalismo.

Os leitores, eu e a torcida do Flamengo temos visto muitas fraudes no passado recente. Sabemos que às vezes elas nascem assim. Por que uma dúzia de moças e rapazes bonitos e bem vestidos, do Leblon, Ipanema, Gávea e adjacências, tornam-se notícia dessa forma em “O Globo” - quase sempre amplificada depois por outros veículos audiovisuais do mesmo império Globo de mídia?

Pergunto, em primeiro lugar, se jornalisticamente aquela reuniãozinha de adolescentes bem nascidos merece tal espaço na mídia nacional. Que diabo, como filhos do privilégio representam muito menos do que, por exemplo, um grupo de adolescentes sofridos do Nordeste, tão afetados como eles pelo adiamento da prova do Enem - o pretexto invocado em “O Globo”.

A aristocracia da elite branca

A diferença entre alunos do Nordeste e os de escolas particulares da Zona do Sul do Rio começa nos sobrenomes. Se prevalecem lá os Silva, como a família do atual presidente, os reunidos em “O Globo” são De Lamare, Di Célio, Bevilacqua, Lontra, Bustamante, Bekken, Glatt e outros de igual linhagem - famílias talvez afinadas com a ideologia dos irmãos Marinho.

A foto posada (com grande angular) da primeira página, feita em condomínio da Gávea, permite a suposição de que o tal “novíssimo movimento estudantil” anunciado pela sigla Nove (de “Nova Organização Voluntária Estudantil”) pode ter nascido na própria redação de “O Globo” e tem entre suas causas até o repúdio à ação afirmativa. São todos brancos, se não de sangue azul.

Para o jornalista Ali Kamel, guardião zeloso da doutrina da fé empenhado em uniformizar o discurso ideológico nos veículos do império Globo, “não somos racistas” no Brasil. A partir dessa tese nossa elite rejeita em nome da igualdade racial quotas destinadas a favorecer o ingresso na universidade de não brancos - talvez para perpetuar os privilégios atuais até o final dos tempos.

Nas páginas internas da mesma edição impressa de “O Globo”, conforme tive o cuidado de conferir na versão digital que a reproduziu, a reportagem foi estrategicamente colocada ao lado da coluna de Merval Pereira - a que abraça com fidelidade canina as ordens da cúpula do império de mídia mais arrogante do país e ostensivamente dedicado desde 2005 à derrubada do presidente.

A tradição coerente do golpismo

Os 12 (ou Nove) de “O Globo” parecem representar exatamente a tradição desse jornal (e dos Marinho), que ao longo dos anos, em matéria de educação, foi sempre retrógrado e antidemocrático - em especial quando a UNE e as entidades estaduais filiadas a ela lutavam contra o golpismo militar e na subseqüente ditadura que torturou, matou, censurou a imprensa e perseguiu o movimento estudantil.

Não por acaso o império Globo floresceu à sombra da ditadura por aplaudir os generais. Orgulha-se hoje - ao lado do “El Mercúrio”, pinochetista do Chile, e do “Clarín” argentino - de estar entre as maiores corporações de mídia do continente, premiadas pelos algozes da democracia e pelos interesses externos porque sempre ficaram contra os dos respectivos países.

Em texto posterior, publicado na quinta-feira, 8, e motivado pela reação do presidente da União Nacional dos Estudantes, Augusto Chagas, o jornal condescendeu em expor a resposta deste aos 12 de “O Globo”. Mas além de ter tido o cuidado de minimizá-lo e situá-lo ao pé de outra página, ainda aduziu minieditorial no qual acusa a UNE de “peleguização”.

Contra os interesses nacionais

Fica claro que “pelegos”, na visão dos irmãos Marinho, são os líderes da UNE, criada corajosamente na década de 1940 para defender os interesses do país contra o avanço do Eixo nazifascista. De nada importa ao jornal a explicação de que os fóruns da entidade não são gatos pingados da elite; reúnem mais de 1.500 centros acadêmicos do país, nos quais atuam centenas ou milhares de estudantes.

Como Chagas, também o presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), Ismael Cardoso, tentou informar ao império Globo de mídia que as entidades realmente representativas dos estudantes há muito debatem a questão do Enem e até fizeram críticas à pressa para implantar a nova prova - pressa que pode ter contribuído para o vazamento.

A motivação dos 12 de “O Globo” é outra. Se não foram escolhidos por ninguém, representam quem - ou o que? Têm só de se submeter à ideologia golpista do jornal, na contramão da história e do aperfeiçoamento democrático. É o que basta para sairem na primeira página. Resta agora guiarem-se pelos editoriais. Por exemplo, aplaudindo a Colômbia submissa, sob ocupação militar dos EUA, e a Honduras do golpe, repudiada no mundo inteiro.

Autor: Argemiro Ferreira

MST e Laranjas...

O MST é detestado por todos: da direita ruralista à esquerda chavista, passando por tucanos, petistas, psolentos, verdes, azuis e amarelos. Mesmo os que fingem apoiar o MST o detestam.
Isso porque há uma antipatia ancestral e inata contra o MST, esse arquétipo de nosso inconsciente coletivo, esse cancro irremovível que insiste em nos lembrar, mesmo nos períodos de bonança, que fomos o último país do mundo a abolir a escravidão e continuamos sendo uma porcaria de nação que jamais fez a reforma agrária.
O MST é o espelho que reflete o que não queremos ver.
Há duas questões, na vida nacional, que contradizem qualquer discurso político da boca pra fora e revelam qual é, mesmo, de verdade, a tendência ideologica de cada um de nós, brasileiros: a violência urbana e o MST. Diante deles, aqueles que até ontem pareciam ser os mais democráticos e politicamente esclarecidos passam a defender que se toque fogo nas favelas, que se mate de vez esse bando de baderneiros do campo, porra, carajo, mierda malditos direitos humanos!
O MST nos faz atentar para o fato de que em cada um de nós há um Esteban de A Casa dos Espíritos; há o ditador, cuja existência atravessa os séculos, de que nos fala Gabriel García Márquez em O Outono do Patriarca; há os traços irremovíveis de nossa patriarcalidade latinoamericana, que indistingue sexo, raça, faixa etária ou classe social:
O MST é o negro amarrado no tronco, que chicoteamos com prazer e volúpia.
O MST é Canudos redivivo e atomizado em pleno século XXI.
O MST é a Geni da música do Chico Buarque - boa pra apanhar, feita pra cuspir – com a diferença de que, para frustração de nossa maledicência, jamais se deita com o comandante do zeppelin gigante.
E, acima de tudo, O MST é um assassino de laranjas!
E ainda que as laranjas fossem transgênicas, corporativas, grilheiras, estivessem podres, com fungos, corrimento, caspa e mau hálito, eles têm de pagar pela chacina cítrica! Chega de impunidade! Como o João Dória Jr., cansei!

Jornalismo pungente

Afinal, foi tudo registrado em imagens – e imagens, como sabemos, não mentem. Estas, por sua vez, foram exibidas numa reportagem pungente do Jornal Nacional - mais um grande momento da mídia brasileira -, merecedora, no mínimo, do prêmio Pulitzer. Categoria: manipulação jornalística. Fátima Bernardes fez aquela cara de dominatrix indignada; seu marido soergueu uma das sobrancelhas por sob a mecha branca e, além dos litros de secreção vaginal a inundar calcinhas em pleno sofá da sala, o gesto trouxe à tona a verdade inextricável: os “agentes“ do MST são um bando de bárbaros.
(Para quem não viu a reportagem, informo,a bem da verdade, que ela cumpriu à risca as regras do bom jornalismo: após uns dez minutos de imagens e depoimentos acusando o MST, Fátima leu, com cara de quem comeu jiló com banana verde, uma nota de 10 segundos do MST. Isso se chama, em globalês, ouvir o outro lado.)
Desde então, setores da própria esquerda cobram do MST sensatez, inteligência, que não dirija seu exército nuclear assassino contra os pobres pés de laranja indefesos justo agora, que os ruralistas tentam instalar, pela 3ª vez, como se as leis fossem uma questão de tanto bate até que fura, uma CPI contra o movimento (afinal, é preciso investigar porque o governo “dá” R$155 milhões a “entidades ligadas ao MST”, mesmo que ninguém nunca venha a público esclarecer como obteve tal informação, como chegou a esse número, que entidades são essas nem qual o grau de sua ligação com o MST: O Incra, por exemplo, está nessa lista como ligado ao MST?).

A insensatez dos miseráveis

Ora, o MST é um movimento social nascido da miséria, da necessidade e do desespero. Eles estão em plena luta contra uma estrutura agrária arcaica e concentradora. Não se pode esperar sensatez de movimentos sociais da base da pirâmide social, que lutam por um direito básico do ser humano. Pelo contrário: é justamente a insensatez, a ousadia, a coragem de desafiar convenções que faz do MST um dos únicos movimentos sociais de fato transgressores na história brasileira. Pois quem só protesta de acordo com os termos determinados pelo Poder não está protestando de fato, mas sendo manipulado. Se os perigosos agentes vermelhos do MST tivessem sensatez, vestiriam um terno e iriam para o Congresso fazer conchavos, não ficariam duelando com moinhos de vento, digo, pés de laranja.
Mas é justamente por isso que o MST incomoda a tantos: ele, ao contrário de nós, ousa desafiar as convenções: ele é o membro rebelde de nossa sociedade que transgride o tabu e destroi o totem. Portanto, para restituição da ordem capitalista patriarcal e para aplacar nossa inveja reprimida, ele tem de ser punido. Ele é o outro.Quantos de nós já se perguntaram como é viver sob lonas e gravetos, à beira das estradas, em lugares ermos e remotos, sujeito a ataques noturnos repentinos dos tanto que os detestam? Quantos já permaneceram num acampamento do MST por mais do que um dia, observando o que comem (e, sobretudo, o que deixam de comer), o que lhes falta, como são suas condições de vida?

Poucos, muito poucos, não é mesmo? Até porque nem a sobrancelha erótica do Bonner nem o olhar-chicote da Fátima jamais se interessaram pelo desespero das mães procurando, aos gritos, pelos filhos enquanto o acampamento arde em fogo às 3 da madrugada, nem pelas crianças de 3,4 anos que amanhecem coberta de hematomas dos chutes desferidos pelos jagunços invasores, ao lado do corpo de seus pais, assassinados covardemente pelas costas e cujo sangue avermelha o rio.
Para estes, resta, desde sempre, a mesma cova ancestral, com palmos medidas, como a parte que lhes cabe neste latifúndio.
Para a mídia, pés de laranja valem mais do que a vida humana, quero dizer, a vida subumana de um miserável que cometeu a ousadia suprema de lutar para reverter sua situação.
Mas os bárbaros, claro está, são o MST.
Por isso, haja o que houver, o MST é o culpado.


Autor: Maurício Caleiro é jornalista e cineasta

quinta-feira

Ê tucanada...


Sorry, tucanada, mas o Brasil não é mais FHC (Fraco, Hesitante e Covarde).

É moda...

O cotidiano do Movimento Estudantil, da UPE e porque não Nacional, já foi invadido pelo modismo. Aí você me pergunta que modismo? Ora, a moda agora é não ter lei e tudo vira anarquia, na realidade, a anarquia é bem mais organizada que certos agrupamentos.

No entanto, focando na UPE, as coisas andam “mei derrubado”. Existe um tal de “CEB” que é uma confusão da gota. Quando se marca se “chia” e quando desmarca, marca outra vez. Mas, o bom mesmo é quando se marca duas vezes na semana e sem presença do DCE, né!

As coisas ficam sem jeito, os componentes ficam sem voz, as deliberações sem norte e isso tudo por causa do DCE, é?! Oxe, que nada rapaz. É porque o pessoal leu pouco o estatuto e leu muito Pierre-Joseph Proudhon. Alias, leu muito - eu acho – e praticou de menos. Mas assim, de boa? Quero ver esse CEB. Eita, quero nada eu tenho aula. E outra, tem um tal de “ART. 28º” que mata um DA aí da Benfica que trabalha “bem pacas”.Tem uns “rolos” com o CIEE ou IEL, mas, que rola todos os dias um torneio de dominó arretado que vou levar uma galera de História que joga bem e ganhar um troféu!

Sem falar que o CEB tem que ter a mediação dos trabalhos o DCE. Eita, o DCE centralizou o estatuto.

E a culpa é do DCE, dizem por aí. Aliás, de “swingueira” à maracatu já rolou e, até queimar delegado já gritou. De trabalhador e estudante tem muito na UPE, mas, de militante... Tem a galera lá dos “doutô”, que faz parte dos tempos do avô que fio de barba valia mais do que “escritô”. Olhe num sei não, viu!

Esse CEB vai fazer valer... O que mesmo? O de quinta ou do sábado?

Ah, que importa!

Vale mais o meu umbigo do que pensar no coletivo.

quarta-feira

CPI do MST...


A Associação Brasileira das Organizações Não Governamentais, ABONG, vem, por meio desta nota, manifestar seu repúdio à criação de mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST.

A ABONG considera que a criação desta Comissão decorre de permanentes processos de criminalização de movimentos sociais, nos quais o MST tem tido triste, involuntário e permanente papel de protagonista. Essa estratégia atende aos interesses de setores retrógrados do Congresso Nacional, que, em aliança com o agronegócio e latifundiários, autoritariamente não aceitam a existência de um movimento popular legítimo, que há vinte e cinco anos organiza a população no campo para a luta por uma reforma agrária em nosso país. Esta CPI faz parte da estratégia da elite brasileira de barrar qualquer possibilidade de mudanças estruturais na nossa sociedade.

É importante ressaltar o motivo deflagrador desta nova ofensiva, que, para o MST, se deve à conquista da atualização dos índices de produtividade, bandeira histórica dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra, anunciada recentemente pelo governo federal.[1]

Segundo a Constituição Federal, toda a terra que não cumprir sua função social é passível de desapropriação para fins de reforma agrária, o que não compreende apenas as improdutivas, mas também relaciona-se às propriedades que descumprem as leis trabalhistas e ambientais. Dessa forma, a atualização representa um pequeno avanço, já que a medida dos índices até então atingia apenas as propriedades rurais consideradas improdutivas e não garantia o cumprimento da lei de forma mais abrangente.

É, no entanto, impressionante, como, em um contexto de democracia, parlamentares e grande imprensa, articulados aos representantes do latifúndio e agronegócio, insistem em tentativas de criminalização do MST. Estas não desembocam apenas em ações ideologicamente comprometidas, como é o caso desta CPI, das investigações do Ministério Publico do Rio Grande do Sul e o fechamento das escolas do MST neste estado, mas também estimulam e contribuem para assassinatos de militantes da causa da reforma agrária, despejos violentos e proibição de manifestações.

A existência de movimentos sociais como o MST é saudável e imprescindível à democracia, pois sua atuação abrange a luta por direitos em seu conceito mais amplo, exigindo do Estado a efetivação desses direitos. A defesa da reforma agrária, da educação pública de qualidade, do meio ambiente e todas as demais bandeiras do Movimento são também bandeiras da ABONG, pois sua realização aponta para a construção da sociedade que queremos: justa, igualitária e fraterna.

[1] Os índices medem a produtividade de imóveis rurais e não eram atualizados desde 1975. Com a atualização dos índices segundo dados de 2003, grandes áreas antes consideradas produtivas podem agora ser declaradas improdutivas e ser desapropriadas para fins de reforma agrária.

Essa é a mulher...

terça-feira

Luís Carlos Prestes...

Programa Roda Viva. Entrevista transcrita.


Rodolfo Gamberini: Boa noite! Nós estamos começando nesse momento mais um Roda Viva, programa de entrevistas e debates da TV Cultura. Nesta noite o nosso entrevistado é Luís Carlos Prestes, ex-secretário do Partido Comunista Brasileiro. E para entrevistar Luís Carlos Prestes estão aqui conosco, nos estúdios da TV Cultura, Wladir Nader, jornalista e escritor; Luiz Gonzalez, jornalista da TV Globo de São Paulo; Armando Sartori, jornalista do jornal Retrato do Brasil; Maria Angélica de Oliveira, da TV Cultura; Marcos Faermann, da Rádio Cultura; Luiz Fernando Emediato, de O Estado de S. Paulo; Armando Figueiredo, da TV Cultura; Cláudio Abramo, da Folha de S. Paulo. Estão também conosco o poeta Mário Chamie, o historiador Marco Aurélio Garcia e o sociólogo Otacvio Ianni. Eu gostaria de lembrar aos senhores que estas pessoas que ocupam o andar superior do nosso cenário são convidados do entrevistado, convidados dos entrevistadores e também convidados da produção do programa.

Senhor Prestes, o senhor é um homem que participa da vida política brasileira há mais de 60 anos. Com toda essa experiência que o senhor adquiriu em todos esses anos, qual é a avaliação que o senhor faz hoje da Nova República(1)?

Luís Carlos Prestes: Na minha opinião, não há nenhuma Nova República. Se há alguma Nova República, ela nasceu igual a Velha. Não houve nenhuma alteração em profundidade. Todas foram superficiais. Eu nego, portanto, essa existência de uma Nova República.

Rodolfo Gamberini: Ela nasceu igual a velha no quê, senhor Prestes?

Luís Carlos Prestes: Primeiro, nenhum torturador, nenhum assassino de presos políticos, foi punido até hoje. Todos eles continuam aí, os generais todos são os mesmos, do DOI-CODI(2)é a mesma organização que está intacta, não foi desmantelada, pronta para entrar em ação novamente. A legislação fascista, depois da posse do senhor Sarney(3), que a imprensa dizia que seria revogada, passado um mês, dois meses de um silêncio absoluto, e chegamos às eleições da Assembléia Constituinte com toda essa legislação fascista de pé. Lei de Segurança, lei contra as greves, lei contra os estrangeiros, lei de imprensa, enfim, toda essa legislação acumulada nestes 21 anos de ditadura militar. Tudo de pé. Então, não houve nenhuma alteração. O poder militar continua intervindo na política brasileira, acima do Estado. Intervém no Estado. Em qualquer democracia burguesa, as Forças Armadas são um instrumento do Estado. No Brasil, as Forças Armadas é que ditam ao Estado o que deve fazer. E continua a mesma coisa. De maneira que não houve nenhuma alteração profunda. Houve alteração, naturalmente, em elementos táticos. Hoje já podemos chamar os generais de torturadores e eles ficam calados. Porque, do ponto de vista tático, para eles é melhor calar, realmente.

Armando Figueiredo: Agora, o senhor não admite nenhuma melhoria ou pelo menos alguma liberação em termos de movimentos reivindicatórios, por exemplo, em relação aos partidos comunistas, que o senhor liderou durante tantos anos, hoje está podendo falar, inclusive, no horário gratuito da televisão. O senhor não reconhece nem essas modificações?

Luís Carlos Prestes: Reconheço. Reconheço isso, porque quem mudou mais foi o próprio partido. O partido é que não é mais comunista [risos], de comunista só tem o nome. O que tem avançado no Brasil nestes últimos anos é a consciência dos trabalhadores. Ainda ontem eu estive em duas Câmaras Municipais, aqui em São Bernardo e em São Caetano e entregaram-me o título de cidadão honorário desses municípios. Isso significa que esses representantes do povo refletem a mentalidade democrática do povo desses municípios. Isso sim tem avançado. A cabeça dos trabalhadores avança. Já pensam de maneira diferente e são eles que estão tendo algumas conquistas. Mas, não no Estado. No Estado não houve nenhuma alteração.

Armando Figueiredo: E com relação à Constituinte, o senhor acabou de falar que não houve ainda a remoção do chamado "entulho autoritário"(4). O senhor acha que isso poderá ocorrer na nova Constituinte?

Luís Carlos Prestes: A nova Constituinte, eu penso, no ambiente em que ela vai se realizar, com as limitações que determinam as eleições dos membros da Assembléia Constituinte, não vai modificar em nada, vai ser a mesma coisa. Muita pouca coisa será alterada. O projeto de Constituição apresentada pelo senhor Afonso Arinos(5) mostra perfeitamente isso. Uma somatória de reivindicações, que não tem nem caráter lógico, esquemático de uma Constituição, quatrocentos e tanto artigos, limitações tremendas ao direito de greve. É o modelo que será a futura Constituinte.

Luiz Fernando Emediato: Senhor Prestes, o senhor disse agora há pouco que a Nova República não mudou o país. Na verdade, pouca coisa mudou neste país. Para o senhor, que dedicou 60 anos ou mais da sua vida à transformação do país, para a revolução, como é que o senhor se sente, à essa altura da vida, ao fazer um balanço e ver que foi tudo, na verdade, em vão, se nada mudou?

Luís Carlos Prestes: Primeiro, mesmo antes, eu sempre me senti um cidadão livre. Sempre enfrentei a repressão e sempre opinei o que pensava. Por isso, fui punido diversas vezes. Tive que viver na clandestinidade durante anos, cerca de 20 anos quase de clandestinidade. Mas, sinto-me, certamente, na possibilidade de falar mais livremente. Isso existe.

Luiz Fernando Emediato: Mas o senhor não se sente frustrado ao ver que nada mudou, apesar da sua luta?

Luís Carlos Prestes: Absolutamente, eu reconheço que o processo de mudança é muito demorado. É muito difícil. Não é da noite para o dia, principalmente para um povo culturalmente tão atrasado quanto o nosso. Em toda a América Latina, com exceção de Cuba, não houve mudanças nesse período todo. Quer dizer, não há grandes mudanças. Pode ver a situação da Argentina. A diferença é que lá os generais foram punidos. Porque eram generais derrotados, foram derrotados na Guerra das Malvinas, enfraquecidos, o governo Alfonsín pode punir alguns. Mas, nada mais do que isso. O resto é o mesmo, a situação é a mesma, tanto na Argentina, no Peru, no México desapareceu o Partido Comunista, somou-se com outros que não são marxistas, formaram um Partido Socialista unificado, anti-soviético, que já não utiliza mais o marxismo como arma teórica para dirigir a política do país. As mudanças são relativamente pequenas devido ao atraso cultural dos nossos povos da América Latina. E essa cultura não avança da noite para o dia, são processos demorados, é um processo longo. Temos que convencer a classe operária que ela tem que assumir um papel dirigente, porque é uma classe conseqüente, é a única conseqüente no regime capitalista, que luta por uma nova sociedade. Mas, também, muito atrasada. Claro que hoje já é diferente, a classe operária de hoje é diferente da de 45 [1945]. Em 45, elas não tinham desilusões com o capitalismo, porque as empresas eram pequenas e médias e a classe operária ainda pensava que podia ser dona da fábrica. E alguns foram. Alguns, de operários passaram a patrões. Houve alguns casos desses. Hoje é mais difícil. Porque na grande empresa já o operário não tem nenhuma ilusão de poder se apropriar da Volkswagen, da Ford, da General Motors, de maneira que ele procura outro caminho. E quem sintetizou uma frase que eu penso que vai ficar inscrita na história do Brasil, foi um operário de talento, sem dúvida nenhuma, que é o Lula. Ele, em 81, depois de dirigir três greves econômicas vitoriosas, ele disse: “não basta aumentar salário, precisa mudar o regime”. Isso é um passo adiante já na concepção, na mente dos trabalhadores.

Mário Chamie: Considerando o que o senhor está acabando de dizer, eu gostaria de apresentar um pequeno quadro histórico das Constituições brasileiras e saber, em seguida, a sua opinião. O Brasil conta, até hoje, com sete Constituições. Sem contar, evidentemente, a carta de Tomé de Souza, de 1549. Há, portanto, uma média muito expressiva. A cada 23 anos o Brasil tem uma Constituição. E a diferença de tempo entre uma e outra parece que tende a diminuir. A Constituição de 1824 durou cerca de 70 anos, até a de 1891. Depois nós temos o exemplo dessa diminuição de 34 para 37 e o caso mais extremo de 67 para 69. Uma diferença de dois anos. Não sei se isso significaria que a dinâmica dos fatos pode superar os textos constitucionais ou se há uma fragilidade crônica das instituições. O senhor foi [senador] constituinte, em 1946, e às vésperas que estamos de uma nova Assembléia, como analisaria esse fenômeno? Que previsão, se isso é possível, diante desse processo histórico, o senhor teria em relação à próxima Constituição brasileira?

Luís Carlos Prestes: O senhor sabe que nós vivemos num regime capitalista. Nós mesmos, comunistas, ainda em 45, ainda negávamos o capitalismo. O senhor observe os nossos documentos, do nosso partido, o PCB [Partido Comunista Brasileiro]. Em 45, nós tomamos uma posição não objetiva, não concreta, não objetiva. Dizíamos que enquanto não acabasse a dominação imperialista do latifúndio, o capitalismo não se desenvolveria no Brasil. Isso é errado, completamente, porque o Brasil já era um país capitalista. A formação econômica, social dominante, já era capitalista. Em 45, nós negávamos isso. Estávamos sob a influência de um documento para umpaís colonial que eram as teses do VI Congresso da Internacional Comunista. Está ainda viva, muito viva na América Latina e orienta, inclusive, os partidos comunistas, do PCB, o PC do B, ainda aqui em nosso país, quando o Brasil não é mais país colonial há muitos anos. Os países da América Latina conseguiram a independência política no princípio do século passado. E a partir daí o capitalismo passou a se desenvolver. Já no fim do século a fundação econômica dominante era capitalista. E nós, em 45, ainda negávamos isso. De maneira, que era um erro grave. Essa é a minha autocrítica, que eu venho fazendo, porque eu era o dirigente do partido, em 45. E, realmente, o nosso partido cometeu graves erros de subjetivismo, de falta de uma análise concreta de uma realidade concreta. Falávamos de Lênin para elaborar uma tática, para traçar uma tática indispensável, essa análise. De maneira, que o que há hoje no Brasil, essa aceleração, ou a diminuição dos períodos constitucionais, é a crise geral do capitalismo. Porque o capitalismo, desde a Revolução Soviética de 1917, do proletariado russo, que levantou-se e foi vitorioso, substituiu a classe dominante por outra, o capitalismo entrou em crise. Numa crise geral. E essa crise vem se aprofundando, vem se acentuando cada vez mais. Essa crise do capitalismo é que determina essa aceleração da pouca duração das Constituições.

Mário Chamie: Mas, o senhor foi constituinte em 46, esperava que a Constituição de 1946 fosse duradoura?

Luís Carlos Prestes: Não, não pensava nisso, propriamente. Participamos da Constituição de 46, mas nós éramos uma minoria. Os comunistas eram quinze: um senador e 14 deputados. O senador era eu e 14 deputados. E nada de importante conseguimos na Assembléia Constituinte. Quando eu fazia um discurso sobre a reforma agrária, porque reforma agrária no Brasil não é isso que o senhor Sarney está chamando de reforma agrária. Reforma agrária é para acabar com o latifúndio. É isso que deve ser uma reforma agrária nas condições brasileiras. Quando eu fazia um discurso sobre a reforma agrária, já tinha falado por cerca de uma hora, aparece na minha frente o senhor Aliomar Baleero(6), deputado pela Bahia e com dedo em riste: você não vê que está perdendo tempo, disse ele, nós todos aqui, a maioria, somos filhos ou genros de fazendeiros. É isso, essa era a composição da Assembléia. Todas as medidas mais profundas que nós propúnhamos eram anuladas. Nós desejávamos que o direito de greve fosse absoluto. Propúnhamos que o item sobre as greves deveria constar simplesmente isso: a greve é um direito. Acabou, não precisa mais nada. Mas, outros deputados agregaram: de acordo com a lei. Pronto, o general Dutra fez uma lei e acabou com a greve [risos]. O general Castelo Branco piorou ainda mais a própria lei do seu Castelo Branco. Tentamos acabar com essa estrutura sindical. Não conseguimos. Mantém-se ainda hoje a mesma estrutura criada em 31, baseada na Carta de Lavoro(7), de Mussolini, subordinação completa do movimento sindical ao Estado, ao Ministério do Trabalho. Não tínhamos nenhuma ilusão. Assinamos aquela Carta, porque, apesar dela, na essência, ser extremamente reacionária, porque não tocava no latifúndio, não controlava o capital estrangeiro, o artigo 141(8) foi um dos mais democráticos de todas as Constituições brasileiras. Influímos na sua redação e realmente ali estão acumulados os principais direitos democráticos no art 141 da Constituição. Nesse sentido, foi a mais democrática que conseguimos. Foi, justamente, os direitos e algumas das conquistas dos trabalhadores. No entanto, elas estão escritas, mas não são respeitadas. Igual trabalho, igual direito. As mulheres têm saláriosiguais aos homens? Trabalham o mesmo, às vezes produzem mais que os homens e o salário delas é a metade, uma fração do salário do homem. De maneira, que não tínhamos nenhuma ilusão que essa Carta poderia durar muitos anos, porque ela já é injusta para a classe operária.

Cláudio Abramo: Capitão Luiz Carlos Prestes, qual é a análise que o senhor faz do desenvolvimento do quadro político e social brasileiro, imediato e um pouco mais longe?

Luís Carlos Prestes: Imediato, o que eu posso fazer é o seguinte: acho que o grande acontecimento que houve no Brasil, nos últimos anos, foi a luta pelo voto direto. O povo esperava que, com o voto direto, pudesse fazer uma limpeza. Revogar toda essa legislação fascista, colocar na cadeia os torturadores, os assassinos, o povo pensava numa solução radical. Talvez não conseguisse. Mas esperava que, elegendo o presidente da República, pudesse conquistar isso. Mas, mais uma vez, a burguesia deu uma solução conciliatória. Ela utiliza o povo como massa de manobra, porque ela precisa do voto do povo para defender os seus interesses. Mas, quando o povo começa a levantar a cabeça, quando eles já tinham chegado a 6 milhões de pessoas, de homens, reunidos nas ruas, aquelas grandes manifestações, que a classe operária sentia a sua própria forma, que os trabalhadores sentiam que eram fortes. Houve uma manifestação com 2 milhões e tanto de pessoas aí na Praça da Sé. Isso dá uma convicção de força ao próprio trabalhador. Quando chega nisso, a burguesia se assusta. E aproveitou o pretexto que o projeto do senhor deputado Dante de Oliveira(9) não foi aprovado, para parar o movimento de massas. Se, naquela ocasião, com 6 milhões de trabalhadores exigindo, o parlamento negou a eleição direta do presidente da República, racionalmente, qualquer um que tenha um pensamento lógico, diz: então, vamos aumentar isso para 7, 8, 10 milhões, para pressionar o parlamento e vamos conquistar. Mas, não, dá as costas ao povo, faz parar o movimento de massas, vai conciliar com a ditadura, e homens como o senhor Ulysses Guimarães(10) e outros, que diziam para o povo: Colégio Eleitoral é uma instituição espúria e ilegítima, depois vai votar no mesmo Colégio Eleitoral espúrio e ilegítimo. Mas, tudo solução por conciliação. Nada mudou. Nada mudou. Foi o Colégio Eleitoral que elegeu o senhor Tancredo(11), o senhor Sarney e aí estamos com esse governo que, pela sua própria prática,nesse ano e pouco de governo Sarney, nós estamos vendo que é orientado no sentido de descarregar todas as dificuldades da crise nas costas dos trabalhadores. Esse último pacote, esse empréstimo compulsório,(12) já atinge a camada média, aqueles que têm alguns recursos, um automóvel e que têm que pagar a gasolina pelo novo preço. E o senhor Sarney revela, com a sua linguagem, que ele não conhece nem as leis do capitalismo. Aceitável que ele não conheça as do socialismo. Mas, as do capitalismo ele já deveria conhecer, porque ele tem que praticar. Mas, as leis estão aí. E o quê ele declara? Ele declara que os recursos que ele levanta agora, com esse empréstimo compulsório, ele vai realizar as novas metas que ele apresenta, desenvolvendo, portanto, o capitalismo, que ele vai acabar com a miséria absoluta. Quando é justamente o contrário, o capitalismo à medida que se desenvolve, a riqueza acumula nas mãos de uma categoria cada vez menor. São os monopólios hoje. E a miséria para massas cada vez maiores. Vai crescer a miséria absoluta, não vai diminuir não. Isso mostra que ele está equivocado.

Cláudio Abramo: Capitão, o professor Florestan Fernandes, num debate recente, avançou a idéia de se tentar a constituição de um conglomerado de esquerda na próxima Constituinte para fazer frente à grande massa conservadora e de delinqüentes, marginais, mentirosos compulsivos, mitômanos e aventureiros que vai estar nessa Constituinte. Qual é a sua análise desse conglomerado der certo, levando em conta que um componente que seria importante nesse conglomerado, que é o PCB, resiste um pouco a fazer alianças à sua esquerda?

Luís Carlos Prestes: Entendo que não é possível, em nenhuma área, conglomerado. Porque os partidos estão com orientações políticas errôneas. E quando a orientação política de um partido [que] se diz marxista, não é justa, ela leva a divisão sucessiva do partido. Ainda agora estamos vendo aqui em São Paulo, reúne-se essa convenção do PCB, mais uma divisão. Já, anteriormente, havia sido afastado o Cabral Capistrano da direção de São Paulo e vem se dividindo cada vez mais. A primeira condição para a unidade de um partido comunista, isso são palavras de Lênin, é uma linha política correta. E que a linha política correta determina também resoluções de acordo com a prática, verificadas pela prática. E o homem é um ser racional. Quando vê que um partido está tomando soluções que são confirmadas pela prática, o partido se transforma num imã, é um elemento de atração. Mas, quando a linha é errada, surgem logo as tendências, para a direita e para a esquerda. E a divisão vai se dando. Esses partidos vão se dividir cada vez mais. Esses que se chamam, hoje, comunistas, estão num processo de divisões sucessivas. Já são divididos até pelas direções dos partidos. O Partido Comunista Brasileiro, hoje, já é uma federação de partidos. Porque em cada estado tem uma política diferente. Em São Paulo é uma, a do senhor Charles de Holanda, que era associado quase diretamente do senhor Montoro(13) mas hoje volta-se para o senhor Ermínio. Já largou o Montoro e aproximou-se de Ermínio de Moraes. Entendo que essa divisão vai se dar cada vez mais. Como unir esses partidos, se eles têm posições completamente divergentes? Naturalmente, cada um defende seu ponto de vista. Eu penso que é muito difícil um conglomerado de esquerda na Assembléia Constituinte.

Rodolfo Gamberini: Senhor Prestes, a próxima pergunta que o senhor vai responder, é uma pergunta gravada com o senhor Plínio Corrêa de Oliveira, presidente e fundador da Tradição, Família e Propriedade(14). A pergunta vai ser apresentada naqueles monitores ali.

Plínio Corrêa de Oliveira: Luiz Carlos Prestes é notório a todos os brasileiros, que os comunistas desse país são favoráveis à implantação da reforma agrária, pelo menos como uma etapa. Me parece também que todos os brasileiros, quer favoráveis, quer contrários à reforma agrária, gostariam de ouvir com muito interesse uma exposição sua sobre quais são os motivos que levam o senhor a apoiar a reforma agrária? Primeiro ponto. Em segundo lugar, uma vez terminada a implantação de uma suposta reforma agrária no Brasil, que outras medidas o senhor acrescentaria ao que está sendo feito pelo governo para que o país chegasse até o comunismo? Agradecerei se o senhor responder ambas as perguntas.

Luís Carlos Prestes: Eu, como comunista, sou muito prático. Eu acho que hoje não é viável tratar de chegar ao comunismo. Nós temos que já nos contentar com a tarefa imediata. O capitalismo pode se transformar numa sociedade socialista. Socialismo é a primeira etapa do comunismo. Hoje, nem a União Soviética, depois de 60 anos já de vitória da revolução, ainda não chegou ao comunismo. Comunismo é uma etapa superior na luta pela qual estamos lutando. Temos que passar por essa etapa socialista. Nela, a divisão do trabalho ainda é grande, ainda há elementos que ganham mais uns do que outros. Cada um deve produzir de acordo com as suas possibilidades físicas e mentais e ter um salário na proporção daquilo que é útil ao Estado. Útil à sociedade já estratificada, socializada. O comunismo é uma etapa superior, porque cada um produz de acordo com as suas possibilidades e retira do produto social, do fundo social, tudo aquilo que necessita. Para isso, são indispensáveis duas coisas: primeiro, uma alta produtividade, que a União Soviética ainda não chegou, em segundo lugar, um alto espírito de solidariedade. Um homem novo. Hoje, na União Soviética, se educa a juventude para essa futura sociedade em que é indispensável esse espírito de solidariedade, para evitar o esbanjamento. Porque se pode retirar do fundo social tudo o que se necessita, é necessário que ele seja educado para não esbanjar a riqueza social. Quanto à reforma agrária, eu sempre fui favorável à reforma agrária. Mas nós chamamos de reforma agrária o que, no mínimo, acabe com o latifúndio. Esse monopólio da terra nas mãos de uma minoria. 80% da terra arável brasileira está nas mãos de uns poucos milhares de fazendeiros, de grandes proprietários. Enquanto que 80% do campesinato brasileiro não possui um palmo de terra. Isso é um contra-senso. Foi verificando isso na prática, com a marcha da Coluna através do Brasil, em que eu via homens de cabelo branco, que me diziam: há muitos anos que eu não vejo uma nota de mil réis. Que não podiam comprar uma enxada. Essa era a realidade brasileira. Por quê? Porque não tinham um pedaço de terra, trabalhavam na terra alheia, a metade do que produziam entregavam ao dono da terra e a outra metade não tinham nem a quem vender porque não tinham organização comercial para isso. Foi isso que me alertou para o problema da nossa orientação. Nós estávamos lutando para substituir Bernardes por outro. Nós chegamos a conclusão que esse era um problema social muito grave, muito sério e que era um paradoxo que um país imenso como o nosso, 80% da massa trabalhadora do campo não tivesse um palmo de terra. Formados numa escola militar, nós não conhecíamos nem sociologia. Não sabíamos nem da existência de comunismo ou da União Soviética. Foi assim que marchamos através do Brasil. Mas, verificamos que era necessário mudar isso. Que não era a simples substituição de um homem na presidência da República que iria resolver esse problema social tão grave e que nós precisávamos estudar para ver onde estavam as causas desse paradoxo, de um país imenso, como povo passando fome, por não ter um pedaço de terra. E víamos que a guerra civil era prejudicial, particularmente, ao mais pobre. Ao camponês, ao mais pobre, porque se nós zelávamos para que ele não sofresse conseqüências prejudiciais com a marcha da Coluna, o inimigo que nos perseguia cometia desatinos contra o povo. Nós mesmos tínhamos no cavalo uma arma, de maneira que quando o componente tinha um cavalo, esse cavalo nós tínhamos que requisitá-lo. Que se não tomássemos, o inimigo tomava. Qual o camponês que tem um cavalo, que não sabe o prejuízo de perder esse animal. Para um fazendeiro, com milhares, com centenas de cavalos, é fácil ceder uma parte. Não é para ele um grande prejuízo, mas para o camponês é um prejuízo total. Então, quando resolvemos terminar a luta, podíamos continuar, já tínhamos lutado durante dois anos, ninguém tinha nos derrotado. Porque a derrota seria terminar com tudo. Tivemos algumas derrotas táticas, mas não uma derrota esmagadora. Continuávamos marchando. E podíamos continuar por outros dois anos. Mas, isso seria um contra-senso, seria não raciocinarmos, porque isso não ia resolver nada. Então, quando terminamos a marcha, visando objetivamente, eu, pessoalmente, pelo menos ir estudar para ver onde estavam as causas disso. E só encontrei uma explicação lógica para a minha mente no marxismo-leninismo. Por isso, que aderi em seguida ao Partido Comunista. Foi a Coluna que me abriu os olhos para procurar a ciência do proletariado, que é o marxismo-leninismo. De maneira que a reforma agrária é uma necessidade no Brasil, é uma das causas fundamentais da própria inflação. O senhor Sarney fala em inflação zero. O senhor Funaro, pelo menos. Isso é absurdo. Em um regime capitalista nunca haverá inflação zero. E quem diz isso são os banqueiros, que vão à televisão e dizem que não é viável inflação zero. Então, é para enganar o povo, é simplesmente para ludibriar o povo. Isso eu já tinha dito no dia 15 de março. Quinze dias depois do pacote, do decreto de 28 de fevereiro. Aquele documento era um documento político para ludibriar o povo. Ludibriar por quê? Quais são as causas estruturais da inflação? Não são apontadas, ninguém fala delas. Muito menos o senhor Sarney. As causas fundamentais da inflação, dentro da estrutura econômica brasileira, estão nos núcleos dos monopólios, que não são controlados. Cada um tem o lucro que bem entende. Não há nenhum controle sobre o lucro da Volkswagen ou das outras. A segunda é essa sangria que sofre o nosso país com a remessa de dólares para o estrangeiro. Não só os lucros, mas também de muitos brasileiros que se dizem patriotas, mas mandam o dinheiro que possuem para os bancos da Suíça, dos Estados Unidos etc. E a terceira é o latifúndio, porque quem produz alimento no Brasil não é o latifundiário, é o pequeno camponês, é o trabalhador que planta o feijão, que planta o milho, esse é que produz alimentos. E no Brasil, todos os anos, há déficit de alimentos. Quantos anos levamos comprando feijão no México ou no Chile? Agora, é a carne. Tem o leite. Quer dizer, sempre há um déficit na produção da alimentação. Quer dizer, a procura de alimentos é maior do que a oferta. Só isso já é um fator inflacionário. Isso continua. De maneira, companheiros, que os problemas são esses. A reforma agrária é indispensável para acabar com o latifúndio e conquistada, acabando com o latifúndio, a terra poderá ser entregue ao camponês. E, posteriormente, com a criação da sociedade socialista, pode se mudar para a coletivização desse pequeno proprietário. Que eles se unam em coletivos, em cooperativas. Ou pela forma soviética, ou pela forma cubana, de maneira que produza mais para alimentar os centros operários. Porque, com o desenvolvimento das economias, surgem os grandes centros operários, de um milhão, de dois milhões de trabalhadores, que não produzem nada na agricultura e que precisam ser abastecidos. Um erro do camarada secretário do partido polonês, foi esse. Ele quis transformar a Polônia, em poucos anos, de país agrário em país industrial, sem fazer uma reforma agrária. Com a terra entregue a pequenos proprietários, de meio hectare até dois e meio. 30% dos camponeses poloneses estavam nessa situação, quer dizer, um pequeno lote de terra. Chegou a ser feita a reforma agrária na Polônia, mas criou um problema gravíssimo, político. Um choque com o Vaticano. Quando o camarada Golmuka assumiu o governo, ele verificou que esse era o problema principal que ele tinha que enfrentar. Anulou a reforma agrária, para entregar a terra aos pequenos camponeses e eles ficaram para resolver os problemas políticos da relação do Estado polonês com a igreja. Foi esse fator que ele determinou. E, não havendo uma condição de pequena propriedade, não abastecia os grandes centros, porque a reforma que ele fazia criando, desenvolvendo a indústria, nasceram grandes centros operários, com um milhão de habitantes. Como abastecer isso com a pequena propriedade? Não podia, porque antes disso tinha que fazer a coletivização da terra.

Rodolfo Gamberini: A próxima pergunta eu gostaria de passar a palavra ao jornalista Armando Sartori. Mas, antes, eu gostaria de fazer um lembrete para as pessoas que estão assistindo ao Roda Viva em casa que o programa não permite a pergunta dos telespectadores por telefone, porque esse programa foi gravado com antecedência. Por favor, Sartori.

Armando Sartori: Senador, o senhor disse há pouco que no movimento das Diretas o povo foi usado como massa de manobra da burguesia. A conclusão que eu chego é que isso foi possível porque não havia nenhum partido, ou nenhuma organização social que pudesse conduzir, liderar o povo brasileiro. Ao mesmo tempo, o senhor diz que não acredita no funcionamento do chamado bloco progressista na Constituinte, que se forme o bloco progressista. Sendo assim, que perspectivas o senhor vê para o surgimento de um partido que aglutine esses interesses populares? Quer dizer, que represente, realmente? E se o senhor vê possibilidade que algum desses partidos existentes hoje possa ser este partido?

Luís Carlos Prestes: Eu penso o seguinte, os erros que cometemos à frente do Partido Comunista, eu pessoalmente cometi, já citei um e outros erros que foram cometidos, todos eles se devem ao atraso cultural do nosso povo. A falta de conhecimento da teoria do proletariado, que é o marxismo-leninismo. No Brasil, nunca foi estudado. Os livros eram perseguidos durante anos, o Partido Comunista mal conquistou a legalidade, pela primeira vez, já tinha 23 anos quando, foi em 45, quando conseguiu a primeira legalidade. Quer dizer, no nosso país, a classe operária é atrasada, analfabeta. O que poderia ter surgido seria uma corrente intelectual marxista. Intelectuais brasileiros, que nesse período, depois, principalmente, da revolução soviética, estudassem o marxismo. Isso houve na Rússia czarista. Lá naquela velha Rússia czarista, depois da emancipação dos camponeses, em 1860, existiu uma corrente intelectual de grande valor, que exerceu uma influência internacional. O senhor sabe que na metade do século passado os melhores romancistas, lidos no mundo inteiro, eram russos. Era o Tolstoi, era o Dostoievski eram os grandes romancistas da época. Os melhores professores de física daquela época eram também. Matemáticos também eram. Essa corrente intelectual, que estudou o marxismo, Lênin chamava de "marxismo de cátedra". Mas, isso aqui no Brasil não houve. Marxismo de professores. Porque era a intelectualidade que poderia estudar essa teoria e realmente defendê-la. E, entre eles, um que Lênin chamava de mestre, Plekhanov foi mestre de Lênin. Participava dessa mesma corrente. Foi dessa corrente que Lênin pode colher alguns elementos de talento para formar um partido. Assim mesmo, teve que esperar dez anos. Ele chegou em Petersburgo em 1893 e o partido só foi construído mesmo, iniciado, em 1903. Tendo a frente esses elementos. Para fundar um partido revolucionário aqui em nosso país, um partido comunista verdadeiro, armado com a teoria do proletariado, é necessário partir de um núcleo marxista firme, conhecedor da ciência, para poder realmente formar esse partido. Essa é a minha tese e é por isso que eu estou lutando. Eu estou certo de que a situação das massas no Brasil vai se agravar cada vez mais. A política do senhor Sarney é descarregar as dificuldades nas costas dos trabalhadores. O capitalismo não tem outra solução, é descarregar todas as dificuldades. Então, a situação das massas vai agravar-se. Elas não vão ficar de braços cruzados. Nenhum povo enfrenta a fome sem lutar. E o nosso povo também vai a grandes lutas. Essas lutas serão reprimidas, mas a classe operária vai aprender muito com isso. E como alguns operários já estão lendo, porque hoje já existem os livros em português e há também intelectuais, modestos, que não aparecem, mas estão estudando marxismo, ou sozinhos, ou em pequenos grupos nas universidades, eu penso que o nível de conhecimento da ciência do proletariado vai se elevando pouco a pouco e nesse meio, diante das próprias lutas, que a classe operária aprende mais é na luta, durante a luta é que serão escolhidos os verdadeiros dirigentes da classe operária, capazes de organizar um partido revolucionário em nosso país. Isso que está aí, isso é, a expressão mais justa que eu posso usar, isso não tem nada a ver com o marxismo. Isso é uma podridão oportunista. Tanto PCB, PC do B, MR-8, todos eles não tem nenhuma base científica na sua política. É uma política completamente errada, distanciada, divorciada completamente do povo, somente para servir ao senhor Sarney. Porque estão a reboque de Sarney, colocam a classe operária a reboque da burguesia, porque não tem uma linha política correta. Não querem nem ao menos iniciar uma autocrítica depois do acúmulo, da acumulação de erros que nós cometemos. Porque nós, a frente do partido, cometemos grandes erros. E o comunista não está livre de cometer erros. É humano errar. Só não erra quem não faz nada, mas esse é o maior de todos os erros. É não fazer coisa nenhuma. De maneira que, fazendo alguma coisa está sempre sujeito ao erro. Já os latinos diziam, humano, errar é humano, e é a situação inevitável disso. O comunista errando, tem que reconhecer o erro e depois procurar as causas do erro, para arrancá-lo com a raiz. Esse erro não se comete mais. Depois que se arranca a raiz das origens do erro. Mas, para isso é necessário um grande esforço e uma grande modéstia, para saber enfrentar e saber dizer algo, porque o comunista tem que dizer ao povo. O dirigente comunista que errou e que reconheceu o seu erro e não se dirige ao povo, não ao partido apenas, ao povo, diz: "errei". As experiências desse erro, onde estavam as origens desse erro. Esse não tem prestígio para dirigir partido, não pode dirigir partido.

[ ]: O senhor pode falar algum grande erro...

Luís Carlos Prestes: Eu cometi muitos, já cometi muitos! O mais importante eu já citei aqui, que foi em 45, que nós tomamos uma posição subjetiva. Negávamos o capitalismo em 45, no Brasil, quando o Brasil já era um país capitalista.

Luiz Gonzalez: O senhor tem falado, em várias respostas, sobre políticas incorretas. Eu queria saber se o senhor já estivesse à frente desse partido marxista, com quadros preparados, científicos, conhecedores da teoria, qual seria a política correta que o senhor determinaria para esse partido, neste momento, nessa eleição e para o próximo ano?

Luís Carlos Prestes: Primeiro lugar nós temos que examinar a realidade objetiva do Brasil. Se for um país capitalista, um revolucionário dentro de um país capitalista luta por uma sociedade superior. Então, o caráter da revolução, em vez de ser nacional-libertador, como é atualmente para os partidos comunistas, os atuais, seria já socialista. Quer dizer, o caráter da revolução no Brasil, já há muitos anos, que devia ser de luta por uma nova sociedade, uma sociedade socialista. O operário de talento que é o Lula, sem dúvida alguma, ele já declarou isso, eu já citei aqui, dizia que nas condições brasileiras, não basta aumentar o salário, tem que mudar o regime. Quer dizer, conquistar um outro regime, que é o regime superior, depois do capitalismo, o capitalismo leva, inexoravelmente, ao socialismo. Vamos lutar pelo socialismo. Agora, lutando pelo socialismo, nós temos que participar da vida política da nação. E temos que participar, portanto, dessa vida, dentro ainda do capitalismo enquanto não é possível fazer a revolução. Porque a revolução não se faz quando quer. No Brasil, por exemplo, é indispensável, para que a revolução possa ser vitoriosa, para que se possa pensar em fazer uma revolução, uma mudança de classes no poder, porque a revolução é isso, é mudar uma classe por outra no poder político, é indispensável, em primeiro lugar, democracia para o povo, para as massas. Isso nós não temos. No Brasil, hoje. A democracia hoje, no Brasil, é para uma elite. Isso aqui no litoral, porque lá no interior é a matança. O fazendeiro considera que é dono de tudo que vive na sua terra, tendo direito de vida ou morte sobre o trabalhador. Mas, aqui no litoral mesmo, o operário, o trabalhador, a pessoa pobre, consegue fazer do seu lar inviolável? Não, a polícia entra na casa de qualquer trabalhador sem dar satisfações, sem nenhum mandado judiciário, então não há democracia para o povo. Há democracia para uma elite. A elite intelectual e rica é que goza disso. E sem democracia não pode haver revolução. Muitas pessoas se equivocam quando falam sobre a Revolução Soviética de 1917, pensando que ela se deu num regime de extrema reação. Ao contrário, no ano de 1917, a Rússia czarista, que só terminou mais tarde, era o país mais democrático da Europa. Já havia se afastado da guerra, não estava mais em guerra e fez a revolução burguesa, botou o czarismo abaixo, proclamou a República e era o país mais democrático. Os bolcheviques falavam nos quartéis. Imagine chegarmos aqui a uma época em que eu possa chegar nos quartéis e falar aos soldados. Isso ainda não há.

Luiz Gonzalez: Do ponto de vista prático, o que o senhor defenderia na Assembléia Constituinte do ano que vem, para que essa democracia seja estendida...

Luís Carlos Prestes: Nessa Constituinte não tenho nenhuma ilusão, porque quantos comunistas poderão estar dentro desta Assembléia Constituinte? Seremos uma minoria. Serão uma minoria. Homens que tenham mesmo a consciência revolucionária serão muito poucos. Eu já estive uma situação semelhante e nós éramos 15. Na Assembléia de 46 nós éramos 15 comunistas, uma minoria dentro dos trezentos e tantos membros da Assembléia. Tudo aquilo que nós propúnhamos era impedido pela maioria.

Luiz Gonzalez: Mas, quais seriam as posições, mesmo que derrotadas?

Luís Carlos Prestes: As posições seriam lutar por uma Constituinte democrática, pelo menos. Assegurar algumas questões fundamentais. Primeiro, o direito de greve. Absoluto. Não isso que está no projeto do senhor Afonso Arinos(15) com toda uma infinidade de limitações, ou então o projeto do senhor Pazianotto, que ele apresentou agora ao Congresso, em que ele cria novas categorias, que são do interesse social e não podem fazer greve. Nem bancários, nem ferroviários, nem médicos, de acordo com acordo com as idéias do senhor Pazianotto. Quer dizer, subordinação do movimento sindical ao Ministério do Trabalho. Essa é que a realidade. Isso não é movimento sindical.

Luiz Gonzalez: O senhor aumentaria o poder do Estado ou diminuiria o poder do Estado, na próxima Constituição?

Luís Carlos Prestes: Isso é muito relativo, aumentar ou diminuir o poder do Estado. O essencial é que houvesse democracia. Para a massa, para o povo. Que fosse realmente democrático. Que ninguém, que nenhuma polícia pudesse penetrar na casa de um operário sem mandado judiciário. Que é o que acontece, hoje. Eles entram nas casas. Isso a gente vê na televisão. Quando houve aquela greve dos bóias-frias, ali em Guariba, ali perto de Ribeirão Preto, a televisão mostrava os policiais do senhor Montoro, arrancavam o operário de dentro de casa para surrá-lo a chicote. Não era nem a cassetete, era a chicote, do lado de fora. Isso não é democracia. E essa democracia é que precisávamos legislar sobre ela, para que pelo menos a Constituição assegurasse essa liberdade. Isso é que era fundamental.

Marco Aurélio Garcia: Ouvindo as suas considerações sobre a situação atual do Partido Comunista, ou dos partidos comunistas no Brasil, eu me lembro um pouco de uma frase que um dissidente tcheco, logo depois da invasão, pronunciou diante de um amigo meu que foi visitar a Tchecoslováquia, que dizia: "Meu amigo, este é um país estranho, pois é um país onde o partido não tem comunista e os comunistas não tem partido". Por outro lado, quando eu escutava o senhor falando sobre o que seria um projeto de reconstrução de um partido revolucionário no Brasil, eu o vi invocar, de uma maneira geral, as clássicas referências ao modelo de partido leninista, onde há um peso muito grande ao papel da intelectualidade, de vez que a sociedade vive, segundo as suas palavras, um atraso cultural muito grande e que dificilmente os trabalhadores, a partir de um processo espontâneo, podem chegar a uma consciência revolucionária. Sessenta anos depois de várias experiências socialistas desse tipo, eu acho que nós, eu, pelo menos, me permitiria, ser um pouco mais temeroso, um pouco mais inquieto quanto a esse tipo de afirmação e eu gostaria de lhe propor uma reflexão em torno da seguinte questão: esse modelo de partido centrado, fundamentalmente, num grupo de intelectuais, ainda que, evidentemente, em contato com o movimento trabalhador, procurando interagir com esse movimento trabalhador, não é um modelo que cria riscos muito grandes de uma vanguarda iluminista, que tende inclusive a se auto-referir excessivamente e, com isso, em realidade, suprimir os valores democráticos que transcendem, de alguma maneira, sejam sociedades capitalistas, sejam sociedades socialistas. Porque acho que há alguns, do tipo pluralidade de partidos, liberdade de imprensa, alternância etc, me parece que são valores que, de uma certa maneira, não podem ser reivindicados como valores de democracia burguesa, mas sim são valores democráticos.

Luís Carlos Prestes: Eu penso que seu raciocínio tem algo de lógico, mas é muito parado. Porque eu me referia a formação do partido. Para iniciar um partido, temos que partir de um grupo de pessoas que pelo menos conheçam o marxismo e que sejam firmes na defesa dos seus princípios. Mas, em seguida, formado um partido, ele vai ser ligado às grandes massas. Um partido não pode viver sem estar ligado às massas, sem educar os trabalhadores e sem conquistar trabalhadores para a direção do partido. Esse é o processo de crescimento de um partido comunista. Não pode ficar cifrado, reduzidoà experiência daquele grupo inicial. Esse pequeno grupo vem substituído justamente por homens que vêm de baixo, educados por homens do próprio partido, conhecedores do marxismo, que chegam à direção do partido. Através de congressos, o partido enriquece a sua própria direção. Elege operários que já conhecem o marxismo, que já foram educados, para compor a sua direção. Esse grupo inicial é que necessita, pelo menos, conhecer o mínimo de marxismo e ser firme na direção. Por isso que eu digo que esses partidos que estão aí não podem se transformar em partidos revolucionários, porque o primeiro passo que eles tinham que dar era um processo autocrítico, exame profundo dos erros que cometeram, para afastar radicalmente as causas desses erros. E eles se negam a fazer isso. Eu, durante dez anos, 1967, quando levantei pela primeira vez minhas dúvidas sobre a orientação do partido, foi em 1967, que eu levantei essas dúvidas, até 1969, oferecia e pedia ao comitê central que examinasse os erros. Que fosse comigo examinar os erros. Mas, negavam. E até hoje se negam. Negam-se de tal maneira que nem os documentos que eu apresento, eles não criticam. Não apresentam críticas. Ficam calados. Por quê? Porque não querem discutir o assunto que tem que levar, sem dúvida alguma, a arrancar de raiz os erros que nós cometíamos. Então, as raízes dos erros estão longe. Eu, depois que cheguei a conclusão que havíamos errado, isso é o primeiro passo. Lênin diz: "Reconhecer o erro é o primeiro passo dado no caminho". Mas, é necessário o comunista investigar as causas, arrancar de raiz o erro. Porque esse, depois, não se comete mais. Mas, se não se comete, não se vai a raiz do erro, não se faz autocrítica. Porque a autocrítica não é confissão religiosa, bater no peito. É necessário raciocinar, como é que eu sou um revolucionário, que estou disposto a dar a minha vida por essa causa, cometi um erro que é prejudicial à revolução? Eu tenho que examinar na minha cabeça onde está a origem desse erro. Então, fui examinar o passado do nosso partido. Encontrei, logo em 45, o erro que eu já me referi. Em que nós negávamos a possibilidade do capitalismo no Brasil. Mas isso tem origens também. E as origens eu fui descobrir no 6º Congresso da Internacional Comunista, em 1928. Esse congresso cometeu muitos erros. Entre eles, elaborou uma tese, um documento que tem esse título "Teses para o desenvolvimento da luta dos povos coloniais e semicoloniais". E esse documento foi aplicado dogmaticamente em toda a América Latina, com exceção de Cuba, que foi o único país que se livrou disso. Os outros todos aplicaram isso. Estão aplicando ainda, até hoje. O PCB aplica ainda esse documento. Isso é um absurdo, porque o Brasil não é mais um país colonial desde quando? Desde o princípio do século passado que se libertou da colônia portuguesa.

Marco Aurélio Garcia: Senador, eu compactuo com as suas avaliações dos partidos atuais. Vejo, no entanto, nas suas colocações um certo otimismo que, evidentemente, eu admiro, mas me permitiria fazer uma pequena observação. Obviamente, que os partidos comunistas não se mantêm exclusivamente em torno de uma elite intelectual. Eles procuram constituir um quadro mais amplo. Agora, como o senhor mesmo explicava na sua intervenção, ele se constitui, em grande medida, através de um processo permanente de educação e de um processo de definição política que supõe, por trás, um certo suposto geral, que é a teoria marxista-leninista, por assim dizer. Ora, eu digo que tenho uma certa dificuldade em compartir o seu otimismo, na medida em que essa expressão marxismo-leninismo, hoje em dia, é uma expressão extremamente errática, tanto é assim que, sob esse guarda-chuva, nós vemos abrigados os dirigentes albaneses, os dirigentes da China, o senhor Gorbatchev, no Brasil o senhor João Amazonas, o senhor Giocondo Dias e o senhor, provavelmente, reivindica e outros aqui reivindicariam a mesma coisa. Então, a grande pergunta que se coloca é a seguinte: qual é a instância — alguém me dirá: é a instância da prática revolucionária — mas, enfim, como se mede efetivamente, hoje em dia, a constituição dessa organização revolucionária, mas, sobretudo, eu acho que é exatamente em torno dessa questão que nós assistimos esse processo autofágico dos partidos comunistas, que o senhor mesmo descreveu? No qual, o senhor mesmo, foi tragado por ele.

Luís Carlos Prestes: Abusa-se muito do nome marxismo. Mas, o marxismo é Marx, Engels e Lênin. Então, as obras deles estão aí para quem quiser conhecer o marxismo, interpretar o marxismo. O marxismo é aplicado a uma determinada realidade. Aqui no Brasil, por exemplo, uma das maiores dificuldades de aplicarmos o marxismo é o desconhecimento da realidade brasileira. Em 45, nós não conhecíamos a realidade. E hoje, ainda, não houve até hoje um balanço, uma análise global da realidade brasileira, que é muito complexa. Cada estado é um caso diferente. Cada município, às vezes, é um caso diferente. Nós precisamos é uma análise dessa realidade global à luz do marxismo-leninismo. Isso até hoje não foi feito. Mesmo porque as estatísticas no Brasil são muito precárias. Você veja agora mesmo o senhor Funaro,(16) o senhor Sarney, quiseram determinar qual era o índice de inflação no Brasil, surgiram logo três números: o do Banco do Brasil, o do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] e o do Ministério da Fazenda. Quer dizer, não há estatísticas. Isso existia na Rússia czarista. Na Rússia czarista, com toda a pressão do regime político reacionário, existia realmente uma estatística de tal natureza que Lênin pôde, na base daquela estatística, pode elaborar um dos seus trabalhos mais importantes para a aplicação do marxismo na Rússia. Foi aquele livro dele, que com 23 anos, 24 anos redigiu, sobre o desenvolvimento do capitalismo na Rússia. Isso nós não temos, no Brasil não temos. Nós temos elementos aí como o senhor Florestan Fernandes, como o próprio Celso Furtado, como economista, que contribuíram, que trazem elementos para isso. Mas não há ainda uma análise concreta da realidade brasileira. E, como o marxismo não é dogma, não tem modelos, o marxismo é um método de ação aplicado a uma determinada realidade. Se desconhecemos essa realidade, cometemos erros na aplicação do marxismo. Inevitável. Precisamos, realmente, estudar e avançar no sentido de conhecimento dessa realidade.

Marcos Faermann: É muito prosaica a minha primeira pergunta. O que o senhor tem na lapela? Eu gostaria que mostrasse aqui.

Luís Carlos Prestes: Esse aqui é um emblema da candidatura do sociólogo Florestan Fernandes.

Marcos Faermann: Então, esclarecimento. Eu estava inquieto, via brilhar aí esse distintivo luminoso. E por que o Florestan?

Luís Carlos Prestes: Bom, o Florestan é um homem, talvez um dos que mais se aproximam de uma solução marxista para o estudo dos problemas brasileiros. Como sociólogo, ele tem realmente se destacado pelos seus trabalhos. Trabalhos sobre a própria revolução burguesa no Brasil, é um trabalho importante, como outros trabalhos dele. Isso não significa, ainda, que já sejam realmente marxistas etc, e um homem sozinho não pode fazer essa elaboração do que é realmente a realidade brasileira.

Marcos Faermann: Senador, o senhor, quando jovem, foi o autor de uma grande proeza militar. Eu sei de generais, de marechais que, aqueles que não participaram da Coluna, que até hoje parece que se mordem de ciúmes pelas suas proezas quando jovem, na Coluna Prestes. O senhor naquele tempo não era marxista. O senhor tinha o espírito da aventura e fez aquela longa marcha. O senhor, se fosse marxista naquele tempo, teria feito tamanha proeza, que é um dos maiores feitos épicos da história deste país?

Luís Carlos Prestes: Eu penso que não pode se escrever a história com hipóteses. Em história, tem que ser realista tem que partir da realidade. Aquilo foi um fato concreto, nós fomos levados àquilo. Não tínhamos nenhuma idéia de fazer aquela marcha, mas nós tínhamos que nos defender. Tomamos armas lá Rio Grande do Sul, formamos um pequeno grupo, de 1500 homens, que não podiam nem se armar, porque os quartéis do Rio Grande estavam desarmados e, dos 1500, eu pude dar armas longas somente a 700. Os outros estavam de revólver e pistola na mão. A questão de munição era precaríssima. Mas nós nos levantamos, mantínhamos a luta, saímos do sítio de São Luiz depois de dois meses, conseguimos nos unir aos companheiros de São Paulo, do Paraná e não podíamos ficar ali também emperrados, atravessamos o rio Paraná, entramos no Paraguai e fomos a Mato Grosso. E iniciamos a marcha. Foram as condições, as circunstâncias é que nos levaram a ela. Então, ela foi muito de aventura da juventude. Foi uma aventura de jovem, sem dúvida alguma. Loucuras da juventude. Essas loucuras, às vezes dão certo, às vezes não dão. A loucura do Fidel deu certo. E era loucura também, um punhado de homens, na Sierra Maestra, ninguém podia acreditar que aquilo fosse levar à Revolução Cubana.

Marcos Faermann: E como é que o senhor vê hoje esse episódio, a própria coisa, os cavalos, a ação...

Luís Carlos Prestes: Eu acho que foi, a marcha da Coluna, se quisermos analisar, durante 50 anos pesou silêncio absoluto. Em nenhuma universidade se falava. Não houve uma investigação profunda sobre a Coluna. Durante 50 anos. Desde o meu manifesto de 1930, que já era considerado comunista na época. Não era ainda comunista, mas eu rompi com os tenentes e com a candidatura Vargas. Durante 50 anos, silêncio absoluto. Nas universidades não podia nem se falar. Nos livros, não se dizia coisa alguma sobre a Coluna. Agora, depois de 80, é que pouco a pouco vem se desenvolvendo e nas universidades já se elaboram teses, há investigação, há procura objetiva do que foi a Coluna. A Coluna traz algumas lições, porque foi um acontecimento realmente interessante. Foram 25 mil quilômetros, percorremos 13 estados do Brasil, enfrentando tropas dez, vinte vezes superiores às nossas. E isso revelou, pelo menos uma questão surgiu, que é o povo brasileiro, quando confia na liderança, é capaz da maior abnegação. Dar a vida por aquilo. É que eles confiavam na liderança, na Coluna, era isso. Quando chegamos no sul de Mato Grosso, já no início da marcha, podemos dizer, começo ainda, tínhamos atravessado três estados — Rio Grande, Santa Catarina e Paraná — estávamos em Mato Grosso, os trabalhadores da Coluna, os soldados, já se orgulhavam de participar da Coluna. Já tinham amor à unidade em que eles participavam. Alguns diziam, já com essa vanglória, eu vou dar de beber ao meu cavalo no Amazonas [risos]. Não chegamos lá, chegamos até o Tocantins, mas já na bacia amazônica. De maneira que aí surgiu essa confiança na liderança. O povo brasileiro, o que há é falta de líderes. Nesses 21 anos se formou um líder sindical, que é o Lula. Mas, os líderes políticos são os mesmos de antes de 64. É o Ulysses Guimarães, é Montoro, é Brizola, são todos os mesmos. Qual é o político novo no Brasil, que tenha surgido nestes últimos 21 anos? Não temos ainda. Porque não havendo democracia, não havendo debate, não havendo luta política, não podem surgir líderes.

Marcos Faermann: Mas, parece que o senhor simpatiza bastante com o Brizola?

Luís Carlos Prestes: Não, não é que eu simpatize com o Brizola, as circunstâncias políticas me levam a apoiar a candidatura do Brizola, já desde 82. Perguntam-me inúmeras vezes por que eu apoiei o Brizola, em 82? Não foi pelos belos olhos do Brizola. Eu não faço política baseado nas características do indivíduo. Eu cumpri a tarefa de um comunista. Uma análise concreta da realidade concreta. Naquela época, eu analisei e cheguei, pelo menos, a duas conclusões: primeiro, que o povo brasileiro, nas eleições de 82, ia votar contra a ditadura, na sua maioria. E foi isso. Vocês sabem que no resultado da eleição os partidos de oposição tiveram mais de 10 milhões de votos que o PDS, que era o partido do governo. Então, a massa, a maioria da população, votou realmente contra a ditadura. E que o partido que tinha melhores condições para derrotar a ditadura, em âmbito nacional, era o PMDB, que era um partido de oposição e que já tinha derrotado a ditadura em 74 e 78. Em 74, ainda como MDB, de 22 candidatos a senador, elegeu 16. De tal maneira que o senhor Geisel percebeu que estava, que perderia a maioria no Senado. Então, foi o pacote de abril de 77, criou o senador biônico, para não perder a maioria no Senado. Foi essa a realidade. Menos aqui no Rio de Janeiro, lá no Rio de Janeiro, porque quem estava no governo era o próprio PMDB. Estava no poder o senhor Chagas Freitas, que era igualzinho à ditadura. Não havia nada. Então, no Rio de Janeiro, eu não podia votar no Chagas Freitas. Tínhamos que procurar outro partido de oposição. Só restavam dois: O PDT, do Brizola, e PT, do Lula. O PT era muito pequeno, insignificante. O Lula até hoje não conseguiu construir partido no Rio de Janeiro, devido ao sentido reacionário intersindical do Rio de Janeiro, que é profundamente reacionário. E ele, para construir o partido, ele parte, em geral, do movimento sindical. De maneira, que não conseguiu até agora. Na última eleição para prefeito do Rio de Janeiro, ele obteve menos de 1%. 0,97% foi para o PT. Então, de maneira que o PT não podia ser. Então, tinha que ser o PDT, do Brizola. Veja que não foi pelos belos olhos, foi um raciocínio lógico, pensado na realidade objetiva.

Rodolfo Gamberini: Senhor Prestes, eu gostaria de pedir a sua licença e de todos nós que estamos participando da entrevista, para chamar um intervalo e a gente volta daqui a pouquinho.

Rodolfo Gamberini: Nós voltamos (...). Eu gostaria de perguntar ao senhor, senhor Prestes, como é que o senhor tomou contato, pela primeira vez, com a literatura marxista? O senhor disse que não era comunista, não era marxista, quando liderou a Coluna. O senhor sentiu uma necessidade de explicar aquilo que o senhor conheceu no Brasil, a pobreza toda, quando o senhor fez a marcha da Coluna. Aí o que o senhor fez, procurou livros com amigos, como é que foi esse contato com essa literatura?

Luís Carlos Prestes: Ao chegar à Bolívia, primeiro país em que entramos, depois da Coluna, eu recebi algumas visitas. A primeira foi do jornalista Rafael Correia de Oliveira, de um jornal de Santos. Depois, foi representante do Estado de S. Paulo, no Rio de Janeiro. Ele já me levou uma boa biblioteca, um grande número de livros. Quase todos os escritores de São Paulo mandaram livros. Inclusive, o Plínio Salgado mandou O estrangeiro autografado, com dedicatória. E, dentre eles, também, muitos livros marxistas. Muito poucos. Um manifesto comunista, um livro dessas coleções francesas, de capa vermelha, que existia naquela época, um brochurazinha, de Lênin, com diversos artigos de Lênin. Posteriormente, o camarada Astrogildo Pereira esteve comigo em Porto Soares. Passamos dois ou três dias juntos, surgiu a ocasião de conversar com ele. Mas, não sabia nada, perguntava algumas coisas. Ele tinha estado na União Soviética. Para mim era muito importante conhecer o que era a União Soviética. Mas, eu fui encontrar mesmo o marxismo quando eu me desloquei para Buenos Aires. Um grande centro cultural, lá existia um partido comunista relativamente forte, já existente, e fui apoiando-me nesse partido, tive algumas reuniões com seus dirigentes— camarada Codovilla [Victorio], camarada Ghioldi [Orestes] — e encontrei os livros. Pouco a pouco, comprei muitos livros inúteis, pois era um autodidata, na busca de livros de economia que, em geral, não me serviam para nada, até que encontrei a obra de Marx e comecei. Depois, pude sair de Buenos Aires, porque a minha situação era muito difícil, porque o número de brasileiros era muito grande, as visitas de jornalistas brasileiros também me tomavam muito tempo, mas eu fui trabalhar como engenheiro na província de Santa Fé e lá eu era quase que o único brasileiro. Organizei um horário de trabalho próprio, para poder estudar. Trabalhávamos das 4 da madrugada ao meio-dia e depois do meio-dia estava com a tarde e a noite livre para estudar. Foi onde eu pude ler O capital, de Marx, foi lá em Santa Fé. E comecei a ler alguns livros de Lênin. A verdadeira crise mental, psicológica que tive, foi quando li o livro de Lênin O Estado e a revolução, porque contrariava tudo o que eu tinha aprendido na própria escola militar sobre o Direito, sobre o Estado. Na escola militar dava-se a noção de que o Estado era uma instituição acima das classes, para distribuir justiça. Era essa a noção que eu tinha ainda do Estado, como um elemento formado para massacrar operários, porque a escola militar nos prepara para oficiais do exército. Essa era a noção que eu tinha. E chega Lênin e mostra um raciocínio de ferro, um raciocínio inexorável, que o Estado é um instrumento de dominação de classes. Eu tive a impressão que tudo o que eu tinha aprendido, tudo o que eu tinha acumulado na minha mente estava errado. Eu precisava fazer uma limpeza, raspar o cérebro e colocar outro. Fazer um outro cérebro, para poder realmente compreender o marxismo. Mas, desde então, eu aceitei que o marxismo é que nos dava a explicação para muitos fenômenos que, até então, não tinham explicação.

Wladir Nader: Eu queria saber o seguinte: o senhor acha que a censura é necessária? A censura que aí está, a censura de direito? O senhor proibiria o filme do Godard?(17)

Luís Carlos Prestes: Não, eu penso que numa sociedade capitalista não há nenhum objetivo para isso, não há nenhuma razão de ser para isso. Quer dizer, não havia necessidade nenhuma de censura, principalmente na obra literária, artística, não devem ser censuradas, devem ter liberdade para que as manifestações artísticas se manifestem de todas as maneiras.

Wladir Nader: Agora, numa sociedade socialista comunista?

Luís Carlos Prestes: Numa sociedade comunista, às vezes, é necessário. Principalmente na União Soviética, porque na União Soviética trava-se hoje a pior luta ideológica, a mais séria. O inimigo está sempre tentando ganhar as massas para as suas posições e ideologias opostas à da ideologia do trabalhador e da classe operária. Isso existe e continua. Então, o governo precisa tomar algumas medidas de censura ou de, realmente, não permitir que a classe operária seja ganha com isso. Então, isso é necessidade. Naturalmente, isso, pouco a pouco, vai sendo eliminado. E eu penso que o secretário atual está com essa visão de acabar com muita coisa, que já é anacrônico, que não havia mais razão de ser, porque a sociedade soviética é constituída de homens e eles erram também, como qualquer outro e cabe ao próprio povo soviético corrigir os erros, os excessos, as medidas desnecessárias, muitas vezes tomadas na própria União Soviética. Eu vivi lá na União Soviética alguns anos, conheço bem a sociedade soviética. Acho que há bastante liberdade. O que há é uma democracia diferente da democracia burguesa. Porque a democracia pode ser burguesa e pode ser democracia do proletariado. É outra. Além disso, é necessário defender o Estado. Quando a classe nova chega ao poder ela não está preparada, não tem elementos já conhecidos, como os defensores da nova ordem política. Então, algumas medidas são necessárias tomar, que devem assegurar a estabilidade desse novo Estado.

Wladir Nader: Mas, numa sociedade comunista, o senhor aceita a arte não engajada politicamente?

Luís Carlos Prestes: Eu acho que deve haver liberdade artística, liberdade de composição artística, de todas as tendências artísticas se manifestarem. Essa é a minha opinião pessoal. É claro que pode haver restrições. Mas, serão de caráter político, por uma necessidade. Para manter e conservar o poder na mão de uma classe nova que chegou ao poder. Esse é o processo. O senhor veja no Afeganistão, agora. Foi proclamada a República, a revolução democrática foi vitoriosa, em abril de 1978. Não havia nem polícia, nem exército organizado. Mas, a burguesia e os latifundiários fugiram para o Paquistão. Lá estão organizados, estão fazendo instrução, estão preparando guerrilheiros e invadindo o país. Eles que já tinham feito um acordo de solidariedade e ajuda mútua com a União Soviética, meses depois da revolução, fizeram um acordo. Solicitaram ajuda soviética e estão lá ajudando. Ainda agora, há poucos dias, o camarada Gorbatchov sustentava que, desde breve já se dizia, que se os países vizinhos garantirem que não vão mais intervir no Afeganistão, a União Soviética tira imediatamente todos os seus soldados de lá. Agora, parece que o Paquistão e alguns países já estão dispostos a assinar algum documento dessa natureza. E o Gorbatchov diz que tira as tropas. Eles estão lá simplesmente para ajudar o povo afegão a se defender. É um novo poder, é um poder democrático, ainda não é socialista, mas ele ainda precisa ser salvaguardado, senão volta tudo a mesma situação anterior à revolução democrática de abril de 78.

Maria Angélica de Oliveira: Senador, eu queria saber o que o senhor achou do livro de Fernando Morais sobre Olga Benário? Se ele faz, realmente, um retrato fiel da sua ex-companheira? Eu gostaria de saber por que o senhor se aliou a Getúlio, após Getúlio ter entregado Olga Benário aos nazistas, que a mataram?

Luís Carlos Prestes: É, não houve propriamente aliança. Eu começo pelo fim da sua pergunta. Não houve aliança, houve apoio. Eu estava na prisão ainda, já apoiava o governo do senhor Vargas. Porque naquela época o inimigo principal da humanidade era o nazismo. O fundamental naquela época era liquidar o nazismo e o fascismo, principalmente o nazismo alemão. Hitler, portanto, era o inimigo principal da humanidade. Outros não compreendiam isso. A UDN, por exemplo, era contra a remessa de soldados à Itália. Quer dizer, primeiro temos que acabar com o fascismo no Brasil, para depois mandar soldados para combater na Europa. Era uma inversão dessa situação, porque a derrota do Hitler traria conseqüências no Brasil, como, de fato, o Getúlio, a 29 de outubro cairia, do mesmo ano, de 45. O fundamental naquele momento era nos voltarmos contra o inimigo fundamental da humanidade. Para isso tínhamos que apoiar os nossos soldados que estavam na Itália, os nossos pracinhas brasileiros e o governo de Getúlio é quem alimentava e sustentava esses soldados. Então, apoiar aquele governo era para apoiar os pracinhas. Essa foi a minha posição. Eu não faço política baseado nos meus ressentimentos pessoais, eu faço político baseado nos interesses do povo brasileiro, da situação concreta e tomo uma posição frente a uma situação concreta que estamos enfrentando. De maneira, que foi essa a minha posição. Agora, quando ao livro do Fernando Morais, eu acho que é um livro dialético. Eu disse isso, por escrito, há poucos dias, e a Folha publicou a minha carta. Porque tinham publicado naquela seção, Painéis, de que eu fazia observações ao livro, de que eu não gostei do livro. Não é verdade isso. Eu sempre achei que o livro foi útil, foi positivo. Era veraz. Não há nada ali que eu possa combater. Há muitos pequenos equívocos, porque Fernando Morais não podia adivinhar. Ele tinha proposto a mim, que antes de mandar o livro à imprensa, ao prelo, submeteria ao meu julgamento. Então, eu poderia ter emendado muitos pequenos detalhes, para tornar mais verídico, mais de acordo com a história que se passou. Mas, ele não fez isso e o livro peca por aí. Mas, no fundamental, ele é verídico. E, por outro lado, ele foi muito feliz na elaboração daquela reportagem, porque vamos dizer que é uma reportagem. E foi feliz na maneira como ele colocou o problema, tornando-o, como se diz, emocional até. De maneira, que a pessoa que lê se emociona e o livro presta um grande serviço, porque diz a verdade sobre os acontecimentos.

[ ]: O livro traz alguma revelação ao senhor?

Luís Carlos Prestes: Não, não traz. Traz uma revelação que eu não estou suficientemente informado sobre isso, que é a posição, baseado em certos documentos que ele conseguiu do Itamaraty e não sei onde, depoimentos do companheiro Rodolfo Ghioldi, que foi o primeiro que levantou o nome de Olga, que ela não era conhecida por Olga. Depois, ele foi visitar em Buenos Aires o Rodolfo e ele confirmou o que consta. Isso para mim foi uma surpresa, porque eu não sabia disso.

Otávio Ianni: Na sua biografia política, o senhor cruzou muitas vezes com os militares. Na verdade, os militares estão presentes em toda essa história, não só na sua biografia, mas na biografia da sociedade brasileira. Parece que eles estão presentes na Revolução de 30(18), na ditadura do Estado Novo, na maneira pela qual se realizou a abertura democrática em 46, 45-46, e daí para diante, inclusive na chamada Nova República, que é, como ficou evidente nas suas respostas anteriores, é pouco nova e que retém muito do que é velho, precisamente da ditadura militar. Isto é, os militares estão muito presentes na história política brasileira. Eles não são profissionais. Eles são, freqüentemente, políticos. Há setores da hierarquia militar que são políticos atuantes, presentes, contínuos, quase que profissionais. O senhor vê alguma possibilidade de nós avançarmos na conquista da democracia, sem uma redefinição drástica do papel das Forças Armadas no cenário político nacional?

Luís Carlos Prestes: Eu penso que era isso que o povo brasileiro, em 84, desejava. O povo esperava que elegendo o presidente da República pudesse acabar com isso, realmente. Fazer uma limpeza nessa situação e aproveitar para acabar com essa intervenção dos militares na política, por cima do Estado. Em qualquer democracia burguesa, as Forças Armadas são instrumentos do Estado, a serviço do Estado. Enquanto que no Brasil eles é que intervêm no Estado, eles é que ditam ao Estado, ao poder executivo, legislativo e judiciário o que devem fazer. Isso, particularmente, desde 64. O exército brasileiro, naturalmente, evoluiu. Quer dizer, há mudanças dessa situação. Os militares vêm intervindo na política já desde antes da proclamação da República. Depois, houve os tenentes do Floriano Peixoto, que intervieram. Depois, no governo de Hermes da Fonseca(19), as intervenções nos estados. Os coronéis que substituíam as oligarquias, as oligarquias estaduais diversas, no Ceará, na Bahia, e em outros lugares. É um poder que tem força. Hoje, no Brasil, é o único poder realmente forte são as Forças Armadas. É o único que dispõe de quatro exércitos, marinha, aeronáutica, pára-quedistas, a polícia militar está à disposição deles. Não há outro poder. Um outro poder que poderia enfrentar esse poder armado seria o movimento sindical. Quer dizer, a classe operária organizada, mas ela ainda é muito desorganizada.

Otávio Ianni: Quanto ao caráter militar, seria possível dizer que nós já estamos inseridos numa realidade em que grande parte do poder do Estado brasileiro e, portanto, de controle da sociedade, está influenciado, às vezes de modo decisivo, por algo que possa se chamar complexo industrial militar, que já é uma realidade e está presente no cenário nacional?

Luís Carlos Prestes: Isso existe. Já existe esse complexo, mas quem domina são os militares. Os militares é que continuam dominando. Eles intervêm diretamente na vida do Estado. O próprio general Walter Pires, numa entrevista que ele deu em 81, publicada na Folha de S. Paulo, dia 21 de agosto de 1981, ele afirmava categoricamente que a tarefa dos militares é essa, acima do Estado. Palavras dele: "As Forças Armadas têm como tarefa", palavras do general nesta entrevista publicada na Folha "assegurar os poderes do Estado", então, eles se colocam acima dos poderes do Estado, quando é uma inversão da democracia. Em qualquer democracia burguesa, as Forças Armadas são um instrumento do Estado. Ele dizia:"que eles é que iam assegurar ao Estado, aos poderes estatais, a ordem e a tranqüilidade para que se desenvolvessem a economia e a democracia" São palavras dele, publicadas na Folha. Isso é uma inversão dos acontecimentos. Os militares colocados acima de tudo. Eles é que dominam, eles é que governam.

Otávio Ianni: Um complemento só dessa questão. O senhor veria — eu pessoalmente estou vendo algo nesse sentido, eu gostaria de ouvi-lo sobre isso — o senhor veria alguma tendência mais forte ultimamente, no sentido de que o Brasil foi escolhido pelos norte-americanos como um aliado preferencial na América do Sul, tanto para operações do tipo econômico, alguns indícios já são evidentes, nas relações com a Argentina e com o Uruguai, além de outras que já eram evidentes anteriormente, como no plano militar, isto é, de que na geopolítica norte-americana o Brasil foi eleito, por condições conhecidas, outras não conhecidas, mas outras muito evidentes, foi eleito aliado preferencial do imperialismo no âmbito da América do Sul. O que pode significar problemas bastante sérios para as populações, para os setores populares dessas nações que compõem a América do Sul, ao menos os países vizinhos.

Luís Carlos Prestes: Se isso é verdade, realmente é uma ameaça muito séria. Mas, não creio ainda que eles tenham feito essa escolha. Eles estão vendo o conjunto latino-americano. O que o senhor Reagan deseja hoje é que na América Latina haja essa democracia formal, tipo Sarney, essa democracia existente hoje no Brasil. Para poder usar na sua argumentação que a América Latina é o centro da democracia no mundo [...interrupção...] o companheiro Gorbatchov é justamente o problema das liberdades na União Soviética, o que o Gorbatchov não vai admitir. Porque o Gorbatchov não vai admitir que um governante estrangeiro queira intervir nos problemas internos da União Soviética. É uma potência, que defende os seus interesses e não aceita a intervenção de qualquer outro nos assuntos internos do seu país. De maneira, que isso é certo que ele não conseguirá. Mas, é isso que ele deseja. Ele sustenta ainda, na América Latina, Pinochet. Está sustentado ainda no Chile, porque sem o apoio do imperialismo, Pinochet já teria caído. Mas, ainda sustenta, porque ele receia no Chile, onde a classe operária tem mais experiência, onde já teve um governo progressista de Allende, que no caso de uma queda do Pinochet, a classe operária leve o país a muito além do que eles desejam. Porque o que eles desejam é isso aí. Esse regime que se diz democrata, mas que na verdade está subordinado aos militares ainda, continua subordinado aos militares. É possível que com as pressões das massas etc, o interesse americano mesmo chegue a levar o senhor Reagan a combater também, a ajudar o Pinochet a cair. É possível que isso se dê, mas por enquanto ele ainda está sustentando Pinochet. Então, eles vêem o conjunto da América Latina como o quintal deles, continuam vendo dessa forma. E agora as declarações atrevidas do senhor Reagan, devido às limitações sobre a informática, sobre os computadores. O Brasil limitava, não permitia a importação de certos tipos de computadores. E então ele pretende vingar-se em algumas concessões a produtos brasileiros, que entram nos Estados Unidos, que receberão impostos de importação, dificultando a penetração desses produtos em terreno americano. É isso que eu vejo. Vejo mais em conjunto. Fazer do Brasil um aliado referencial, eu creio que ainda não há elementos suficientes para dizermos isso. Eu não vejo.

Otávio Ianni: Mas, há indícios de que setores do governo brasileiro já estiveram presentes na derrubada do governo Torres, na Bolívia, na queda do governo Allende e, provavelmente, em muitas outras operações ocorridas em outros países.

Luís Carlos Prestes: Quando o Kadafi manda três aviões como presente de armamento aos sandinistas na Nicarágua, o governo brasileiro interrompe o vôo aqui no Brasil e devolve à Líbia o armamento. Assim, nós podemos ver a quem eles vendem armamento. Eles só vendem armamento, da indústria que tem hoje no Brasil, que já tem uma indústria relativamente desenvolvida, só vendem a governos reacionários. Não vendem, absolutamente, a nenhum governo progressista, revolucionário, eles não vendem armamentos.

Luiz Gonzalez: Eu queria saber quem o senhor apóia para governador nas eleições de São Paulo e no Rio?

Luís Carlos Prestes: Em São Paulo, não apóio nenhum.

Luiz Gonzalez: Por que razão, senador?

Luís Carlos Prestes: Não vejo nenhum interesse em apoiar nenhum candidato. Tenho que apoiar candidato para ser vitorioso. Eu não gosto de apoiar para ser derrotado. Eu não tenho experiência nenhuma...

Luiz Gonzalez: Então, o candidato da sua predileção seria derrotado?

Luís Carlos Prestes: Não, porque o candidato do PT, por exemplo.... Porque eu vejo, hoje no Brasil, já disse isso, dois partidos que não estão comprometidos com o governo federal, que são o PDT, de Brizola e o PT, de Lula. Os outros todos estão comprometidos com o governo.

Luiz Gonzalez: O senhor não vê nenhum caráter progressista no PMDB?

Luís Carlos Prestes: PMDB? PMDB, não. PMDB, hoje, é o partido do governo [risos]. O presidente de honra dele é o senhor Sarney.

Luiz Gonzalez: Mas, não obstante isso, o senhor não vê nenhum caráter progressista do PMDB, em alguns estados?

Luís Carlos Prestes: O PMDB era um partido de oposição até 82. Em 82, ainda era um partido de oposição. Hoje, é o partido do governo. Todos esses partidos: Frente Liberal, do senhor Aureliano, PDS, PCB, PC do B, todos esses hoje são partidos do governo. Estão todos eles comprometidos com essa política do senhor Sarney, que visa descarregar todas as dificuldades da crise nas costas dos trabalhadores. Essa é que é a realidade. O senhor ganha um salário. O governo Sarney aumentou o salário? Não, diminuiu. Novamente. Porque toda a política dos militares foi de redução do salário real. Desde o senhor Castelo Branco, que apoiou um programa salarial de redução, arrocho salarial dizíamos nós comunistas, do senhor Roberto Campos, que era o ministro da Planificação. E depois vem sendo sempre reduzido o salário real. No ano passado...

Luiz Gonzalez: O senhor apóia o congelamento de preços?

Luís Carlos Prestes: Não, eu acho que todo o povo apóia naquele momento que ele congelou os preços. Deixou subir bem alto, provocado pelo próprio decreto anterior do senhor Funaro, um decreto que criava uma sobretaxa sobre o imposto de renda. É claro que os empresários descarregaram esse imposto no preço da produção. E de um mês para o outro a inflação subiu, anual, de 220% para 400%. Então, quando a inflação chegou bem alta, ele congelou. É claro. Teve o apoio da nação inteira, porque a nação já protestava contra o encarecimento do custo de vida diariamente.

Luiz Gonzalez: O senhor não considera que o PMDB que poderia garantir o congelamento de preços?

Luís Carlos Prestes: Não, o PMDB não pode garantir coisa nenhuma, desde que está a reboque do governo, apoiando cegamente o governo do senhor Sarney. São subordinados a ele. Essa é que é a verdade. É o presidente de honra do PMDB. Sarney é o presidente de honra do PMDB. Ele era o presidente do PDS. Num salto mortal veio cair [risos], é, num salto mortal veio cair no PMDB.

Luiz Gonzalez: E por que razão o senhor não apóia o PT, então, senador? O senhor fez várias referências elogiosas ao Lula.

Luís Carlos Prestes: Eu vejo que o PT é um partido que tem futuro, tende a crescer. Justamente porque é um partido que não está comprometido com o governo federal. Mas, ainda é muito pequeno. No Rio de Janeiro, ele não tem partido. Não conseguiu até agora construir um partido.

Luiz Gonzalez: Em São Paulo ele está diminuindo.

Luís Carlos Prestes: Em São Paulo, é possível que esteja diminuindo. Não vejo ainda que esteja diminuindo, mas é possível. De maneira que não há motivo nenhum para eu apoiar. Eu não estou aqui em São Paulo, nem votaria aqui em São Paulo em nenhum candidato a governador. Estou apoiando alguns. E, no Rio, eu apóio o candidato do PDT. Então, aí neste sentido apoiamos os candidatos majoritários do PDT, a governador, o senhor Darcy Ribeiro e a senador, o senhor Marcello Alencar e José Frejat [deputado estadual], que são os candidatosao Senado.

Luiz Gonzalez: Na Bahia, o senhor tem alguma predileção?

Luís Carlos Prestes: Não, nenhuma. Por enquanto, nenhuma. Amigos que eu tenho na Bahia me perguntam em quem votar, porque a situação é muito difícil. Eu digo, a única solução é votar no Waldir , mas só no governador e não nos candidatos deles. Para, pelo menos, combater a candidatura do senhor Antonico Malvadeza(20) [risos], que é o Magalhães lá da Bahia, que precisa ser derrotado.

Luiz Gonzalez: Veja, o senhor faz um raciocínio utilitário, digamos assim, em alguns estados. Agora, em São Paulo, o senhor se recusa a fazer esse raciocínio. Por que razão?

Luís Carlos Prestes: Não, porque não há. Todas as razões que eu oriento meu voto são muito concretas, são muito práticas em cada local. Eu não voto pelas qualidades pessoais de A ou B. Eu não vou examinar os indivíduos. Eu vou examinar é a política.

Luiz Gonzalez: Aqui o senhor acha que não é uma luta da direita contra esquerda?

Luís Carlos Prestes: Não, absolutamente, é tudo a mesma coisa. A direita e a esquerda, muda para a direita, muda para esquerda, essas mudanças...

Luiz Gonzalez: O senhor acha então que o Maluf, o senhor Ermínio e o senhor Quércia são tudo a mesma coisa?

Luís Carlos Prestes: Tudo a mesma coisa. O Maluf transformou-se, quando quiseram fazer de Tancredo um santo, era necessário criar o diabo do outro lado. Então, fizeram do Maluf o diabo. Ele passou a ser para a opinião pública o diabo.

Luiz Gonzalez: Então, isso é que eu queria entender, senador, eu estou insistindo, para o senhor, qualquer um dos três que ganhar a eleição, acontecerá a mesma coisa no futuro do país?

Luís Carlos Prestes: Não sei. Aí já é diferente. O Maluf já foi governador. Nós sabemos os erros que ele cometeu aqui no estado de São Paulo. Os outros ainda não foram governadores. Eu não gosto de fazer essas previsões. O batismo não nos dá o dom da profecia, de querer ser profetas. A política precisa ser muito concreta. A política precisa ser baseada na realidade, de fato, no exame da realidade concreta. Sem isso, não se pode fazer política.

Mário Chamie: Estava pensando em pedir licença ao senador para fazer uma pergunta de caráter, mais ou menos, pessoal, pelas citações que fez de Tolstoi, Dostoievski, e como no Brasil o senhor é um personagem legendário, tratado por um escritor como o Jorge Amado, eu gostaria de saber do senhor qual Jorge Amado o senhor prefere, ou se o senhor gosta dos dois, do Jorge Amado empenhado dos Subterrâneos da liberdade ou do Jorge Amado de Gabriela, cravo e canela. Mas, antes do senhor responder sobre isso, eu gostaria, apanhando o diálogo que o senhor acabou de estabelecer com o Gonzalez, de perguntar ao senhor o seguinte: em que o senhor estaria se baseando para afirmar, como afirmou recentíssimamente, numa revista brasileira, que os dois partidos que realmente têm tendência a crescer no cenário político brasileiro são o PT e o PDT. O PDT, de Brizola e o PT, de Lula. Quando, pelo menos no momento, se verificam tendências de decréscimo de prestígio popular, digamos assim, desses dois partidos, o que pode ser uma circunstância qualquer. O senhor estaria pensando num fatal fracasso do Plano Cruzado, que de algum modo capitalizou uma simpatia popular muito grande e que pode ter essa simpatia, digamos, de duração por prazo determinado? Ou o senhor acha que as linhas de força mesmo da política brasileira, da sociedade brasileira, encaminhariam esses dois partidos a um crescimento, ainda que a realidade presente conteste essa afirmação do senhor? Eu faço, portanto, as duas perguntas, porque o senhor, além de leitor, é um personagem épico da cultura brasileira.

Luís Carlos Prestes: Muito obrigado. Eu discordo aí no pensamento de algumas coisas que o senhor disse aí, agora já passou, vamos adiante. Eu acho que a política do senhor Sarney é uma política reacionária. É contra os interesses do povo. Essa política vai se agravar. A impopularidade do governo vai crescer, porque ele vai querer descarregar nos trabalhadores todas as dificuldades da crise. Esses dois partidos a que eu me referi — PT e PDT — são os únicos que, atualmente, não tem compromissos com o governo. Quando eu disse isso, de que eles tendiam a crescer, eu fazia uma ressalva. Se os seus dirigentes não cometerem erros. Porque ambos os dirigentes, tanto o Brizola quanto o Lula, eles não utilizam a teoria. A política deles é empírica. Então, estão sujeitos a cometerem erros. O senhor Brizola mesmo já cometeu diversos erros. Entregar a direção do partido dele aqui em São Paulo ao senhor Ademar de Barros foi um desastre. Era errado, completamente. Não se pode achar que o Ademar de Barros possa lutar pelo socialismo, como diz o senhor Brizola que luta, que quer o socialismo. Tanto que agora houve a convenção e a maior parte da convenção votou do Maluf. Do PDT, do partido do senhor Brizola. Não vejo que o PT tenha diminuído. É que não podemos nos guiar pela imprensa. Se o senhor for ler O Globo parece que o Brizola não tem mais nada. E não é verdade. Ele tem prestígio lá no estado do Rio de Janeiro. Vai ganhar. Com a influência que ele tem lá dentro, não há dúvida nenhuma. Isso desde a eleição para prefeito, quando surgiu a candidatura do senhor Saturnino Braga para prefeito do Rio de Janeiro, a mim não parecia a melhor candidatura. Porque ele é um homem de gabinete, difícil de levantar como candidato a prefeito da cidade. Então, amigos meus, por ordem minha, foram investigar os bairros, ver se os trabalhadores, se a classe operária não indicavam outro, não pensariam em outro candidato. Sabe qual foi a resposta mais geral que eu recebi, revelando o baixo nível político da população do Rio de Janeiro, que é considerada politicamente mais desenvolvida? A resposta é a seguinte: Aqui o povo vota em quem o Brizola mandar.

Wladir Nader: E as pesquisas?

Luís Carlos Prestes: As pesquisas são do Globo, meu senhor. Se formos nos guiar pela imprensa, o Brizola está derrotado. Agora, ainda, ele reuniu 20 mil pessoas no Maracanãzinho. Eu estive lá presente, ele me deu a palavra, eu pude dizer alguma coisa. Mostrando que essa eleição agora no Rio de Janeiro, que é uma eleição estadual, ela na verdade tem um caráter nacional. Porque vai depender dela a derrota ou a vitória do governo federal. E a vitória do Brizola no Rio de Janeiro vai ser a derrota do senhor Sarney. Porque todos os dois estão numa posição, o Sarney que dirige hoje toda a campanha contra o Brizola. Sabe qual é a razão de ser? Porque quando havia o anticomunismo se compreendia, quer dizer, o Brizola não é comunista, nem jamais será comunista, é um homem que vem da pequena burguesia, pobre, posso dizer, mas não tem nenhuma tendência, nem mesmo ao estudo da teoria. Como o Lula. O Lula disse, em plena televisão, que ele não lê. Faz questão de não ler. Que quando ele pega um livro vai até a página 17. Isso foi ele mesmo que disse [risos]. Efetivamente ele não quer ler, não quer estudar. Ele precisa estudar, para transformar, porque hoje a política é ciência. É precisa ser estudada como ciência, com toda a atenção. Não pode ser uma brincadeira. De maneira, que é essa a realidade hoje. Eu não vejo, eu acho que o problema é esse, não adianta, não vai...

[ ]: Mas, em São Paulo, que candidato, sendo derrotado, representa a derrota do Sarney?

Luís Carlos Prestes: Aqui em São Paulo? Eu não posso dizer isso, porque nunca pensei nisso, quais são os nomes que determinam a derrota ou a vitória. Eu acho que o Sarney está apoiando a todos aí e não vejo diferença entre os candidatos. Só tem um que é marcado, que é o tal demônio, que é o Maluf. Então, ele pode apoiar Quércia ou Ermínio de Moraes para derrotar o Maluf. Essa é a preocupação, pelo menos através do que se lê na imprensa, é preocupação de derrotar o Maluf. Mas, o Maluf não está sendo apoiado pelo Sarney, não é propriamente candidato do Sarney.

[ ]: Então, o único jeito do Sarney seria derrotado é pela vitória do Maluf?

Luís Carlos Prestes: Não, isso seria realmente uma derrota do governo federal, porque se desenvolve, realmente, para que um desses dois ganhe as eleições.

Cláudio Abramo: Eu queria lhe fazer quatro perguntas que são de caráter biográfico, mas também de caráter histórico para algumas pessoas, entre as quais eu me incluo, que procuram desvendar algumas coisas da política operária. Primeiro: qual foi o contato e que profundidade teve, se ele houve, com o Manuilski, que era do Comintern? Seja em Buenos Aires ou já na União Soviética. A segunda coisa é se o senhor, que tipo de relação o senhor teve com alguns comunistas que já pertenciam à posição de esquerda, em Buenos Aires, entre eles o Aristides Lobo? A terceira coisa é por que o senhor, em 82, num gesto muito bonito, muito nobre de sua parte, o senhor foi visitar o Mário Pedrosa(21) na casa dele, ele já doente, prestes a morrer? E, finalmente, o que inspirou a tentativa revolucionária de 35? Na sua mente, no seu espírito.

Luís Carlos Prestes: Primeiro lugar, Manuilski. Ele era secretário do secretário latino-americano da Internacional Comunista em Buenos Aires. A sede era em Buenos Aires. Quando eu publiquei o meu manifesto de maio de 30, rompendo com os tenentes e com Getúlio, Manuilski, através do partido comunista argentino, pediu para conversar comigo. Eu estive lá com ele, conversamos, nos conhecemos. Ele elogiou o meu manifesto, dizendo que era um grande passo a frente, no sentido de avanço da minha posição revolucionária. Foi isso que ele disse. Enquanto que o Partido Comunista aqui no Rio de Janeiro não aceitava o manifesto e dizia que a minha posição era a de um futuro[...]. Era isso que diziam, porque apoiava o partido, mas depois ia trair o partido. Essa foi a posição do Manuilski. Desde então, tivemos um certo relacionamento. Mais tarde, sob a influência do Mário de Andrade, do Aristides Lobo, eu estava numa situação difícil, porque eu não tinha apoio dos comunistas, tinha rompido com os tenentes e estava só. E eles diziam que era necessário organizar alguma coisa. E eu então organizei a Liga de Ação Revolucionária, uma organização pretensiosa, que pretendia auxiliar o Partido Comunista, para ajudar o Partido Comunista na sua ação revolucionária. Quando esse documento foi publicado, Manuilski pediu novamente para falar comigo. Me disse que tinha sido um passo atrás [risos] e que tinha sido, realmente, um passo atrás, embora ele tivesse contado com o apoio do camarada Condovilla, que era o dirigente do partido da Argentina, que achava que era muito justo. A idéia dele era diferente da do Manuilski, no sentido que ele achava que os intelectuais não deviam entrar no partido, deviam ficar como aliados do partido, em geral. Era a idéia que ele mesmo sustentava. Mas, era errado realmente. Mais tarde eu dissolvi a Liga de Ação Revolucionária. Fizemos uma boa amizade. Com o golpe do Olegário, em 6 de setembro de 1930, Manuilski foi obrigado a deslocar-se para Montevidéu. No dia de dois de outubro, na noite, na véspera do golpe de Porto Alegre, do Flores da Cunha, Aranha, etc., a polícia argentina me prendeu. Fui levado para a polícia central preso e à noite o chefe de polícia me ouvia. E dizia que eu tinha dito que os generais argentinos eram agentes do imperialismo. Eu confesso que não me lembrava de ter escrito nada disso, porque não foi publicado. Foi uma entrevista pedida pela Night Press, pelo vice-presidente Muller, que era casado com a dona Rosalina de Coelho Lisboa, que era amiga dos tenentes, que deu aquela entrevista. Tinha havido um golpe militar na Bolívia. Nós estávamos no mês de agosto, de 30, e preparávamos o golpe na Argentina, quase que às claras contra o presidente do país. Então, eu disse, realmente, que os generais bolivianos estavam a serviço do imperialismo e fizeram aquele golpe a serviço do imperialismo norte-americano. E que, na Argentina, eles preparavam a mesma coisa. De maneira, que quando ele disse que não entendia, virou-se para um cofre e tirou um exemplar da minha entrevista. Ela não foi publicada, mas estava no cofre do chefe de polícia. E eu, diante disso, eu não sou homem para ficar na defensiva. Eu acho que a defensiva só leva à derrota. É necessário tomar a ofensiva. E disse a ele: veja a data, a data é de agosto. Ele disse: o que tem a data. A data significa que eu tenho culpa de que o que eu previa se realizasse. E disse que me fuzilava, então, diante dessa resposta ele pensou que podia mandar me fuzilar. Eu fui expulso da Argentina, em resumo, daí passei para o Uruguai. E aí, então, tinha um relacionamento mais estreito, um país que tinha democracia, que tinha liberdade, eu podia freqüentar e receber visita do Manuilski e tivemos muito boas relações. Foi ele quem avaliou a minha sinceridade, achando que eu era um homem honesto etc, e que era um quadro útil para a Terceira Internacional. E foi ele que contribuiu para que eu pudesse ser recebido na União Soviética, apesar de me apresentar lá com um cartaz muito ruim. Eu cheguei na União Soviética como um general latino-americano. Não era nada agradável esse diploma [risos] de general latino-americano. Mas foi isso, fizemos boas relações. Lá na União Soviética tivemos muito pouco contato. Tivemos alguns contatos, mas relativamente poucos. Era um homem de grande talento. Era um revolucionário, que tinha participado de várias lutas, esteve preso, condenado à morte na Alemanha, quando os portuários se levantaram em Hamburgo. Depois esteve preso alguns meses na França, até ser trocado etc, e voltado para a União Soviética. E morreu afastado do partido, ainda, porque cometeu outros erros. Quantoà Aristides Lobo, é um homem de talento. Sempre reconheci. E trabalhamos juntos. Há um documento, que até hoje nós não conseguimos uma cópia, porque as nossas bibliotecas foram tomadas pela polícia, um pequeno documento sobre a reforma agrária em São Paulo, feito por Aristides Lobo, assinado por nós dois. É um folhetinho, é um pequeno folheto sobre reforma agrária em São Paulo. E ele me ajudou muito. E quando ele foi para o Brasil, o compromisso que ele assumiu comigo é que ele, absolutamente, não atacaria o partido. Ele tinha uma posição anti-stalinista, porque ele era trotskista. Mas, ele foi recebido já com quatro pedras na mão. Chamado de traidor pelo partido. Evidente que ele teve que responder e as nossas relações se romperam e eu nunca mais falei com ele. Nunca mais tive contato nenhum com ele. Quanto a visitar o Mário Pedrosa, eu disse Mário de Andrade, era Mário Pedrosa, eu reconhecia nele um grande talento, o melhor crítico de arte do Brasil. Acho que ele era. E ele tinha se aproximado muito de nós depois do golpe de 64. Tivemos o comitê central do partido, eu estava na clandestinidade, não podia, mas o comitê central chegou a ter alguns contatos com ele. E quando eu voltei ao Brasil, soube que ele estava doente e fui visitá-lo na sua residência. Pouco depois ele faleceu. Não sei qual foi a sua última pergunta.

Cláudio Abramo: O que inspirou, na sua mente, o golpe de 35?

Luís Carlos Prestes: A imprensa e os generais, com esses discursos sobre a Intentona,(22) que eles fazem todos os anos, porque ainda há poucos dias o ministro do Exército dizia, que a anistia faz o esquecimento. Mas, eles nunca esqueceram 35. Sempre comemoraram 35, depois de quantos anos. Depois, continuam comemorando o 27 de novembro. Eles diziam que foi uma ordem da Terceira Internacional. Foi uma ordem que veio. Não houve isso. Quando eu li, já estava em Moscou há três anos — 1932-1933-1934 — nas piores condições, que era a construção do primerio Plano Qüinqüenal. Havia dias que não havia nem o que comer, que Stálin era obrigado a dizer: "nós temos que concentrar nossa produção em aço, carvão e petróleo. Nada disso se come". Era a realidade. Realmente, havia dias difíceis lá. Mas, o comitê central se locomovia, ganhava a maioria da classe operária, tinha uma minoria de oposição, sempre houve, na União Soviética. De maneira, que essa era a realidade. Eu, naquela situação, eu estava me referindo aos problemas das relações... Parece que a pergunta do Mário Soares, Mário... ah, 35. Quando eu li os primeiros artigos sobre a criação do Partido Integralista(23), julguei do meu dever deixar a União Soviética e vir combater a fascistização do Brasil. Tanto mais que Vargas apoiava o integralismo, no início. Estava apoiando o integralismo. Então eu disse: eu vou. O camarada Dimitrov, secretário da Internacional Comunista, e que era, tinha uma grande amizade por mim, tanto que, na minha ausência, ele me incluiu depois na comissão executiva do 7º Congresso da Internacional Comunista, eu não sendo nem membro do comitê central do partido brasileiro, fui eleito para membro da comissão executiva, ao lado das figuras mais destacadas do Comintern.Ele tinha uma grande amizade por mim, uma grande admiração por mim. Ele falava muito bem o francês, de maneira que podíamos nos entender diretamente. Desde que cheguei a Moscou, eu fui recebido por ele. Nossas relações eram as melhores possíveis. E ele me dizia: para que você volta ao Brasil? Agora é um perigo. Ele não queria que eu voltasse. Mas, eu insisti. Eu disse: vou ao Brasil, pela minha vontade própria. Vou para lá, para combater o fascismo. Cheguei aqui no Brasil, já existia a Aliança Nacional Libertadora. E eu havia sido eleito presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora. Eu era simplesmente membro do partido. Não participava nem do comitê central. E fui designado pelo partido para ser o representante do partido junto à Aliança Nacional Libertadora. As duas relações, através de outras pessoas, porque eu estava em rigorosa clandestinidade. Era com o Roberto Sison, secretário da Aliança Nacional Libertadora. Há uma carta, inclusive, que justifica a minha posição. Nós não éramos por precipitar a luta. Pelo contrário. O último membro do comitê central, que foi para o Nordeste, levava instruções no sentido de que não se iniciasse coisa nenhuma lá no Nordeste sem se consultar o Rio de Janeiro. E, em setembro de 35, houve uma grande greve em Petrópolis. Um choque violento entre comunistas e integralistas. O Roberto Sison me escrevia dizendo que tinha chegado a hora. Que tínhamos que nos levantar, para fazer a luta armada contra o governo de Vargas. E eu respondi a ele numa carta, que está incluída naquele livro Problemas atuais da democracia, que foi uma carta que eu escrevi ao Sison nessa época, em que eu dizia, que só depois de uns 20 Petrópolis é que nós teríamos condições, que não havia condições ainda. No entanto, espontaneamente, o movimento surgiu em Natal. E arrebentando em Natal, teve o apoio de Recife e nós ficamos aqui com informações que tínhamos bases em quase todos os quartéis, que era o que o Miranda nos informava, nós pensamos que o necessário era apoiar aquela luta, não deixar os companheiros do Nordeste sozinhos. Apoiamos e foi o golpe de 27 de novembro, aqui no Rio de Janeiro, preparado com grande atraso, porque as tropas já estavam de prontidão etc, de maneira que foi um desastre, foi uma derrota rápida, devido justamente a isso.

Luiz Fernando Emediato: Senhor Prestes, o senhor é uma lenda, mas é também um homem. Um homem com as suas necessidades, com as suas emoções. O Marcos Faermann, há meia hora, uma hora atrás, te perguntou algo a respeito da Coluna Prestes, da loucura da juventude que foi essa Coluna e eu me lembro que os jovens desse país, os jovens burgueses, no final dos anos 60, início dos 70, também fizeram uma loucura, que foi acreditar numa revolução armada, num momento que não conseguiram avaliar a realidade brasileira. Mas, a minha pergunta, na verdade, eu vou te pedir permissão para te fazer uma pergunta não política, não ideológica, uma pergunta mais pessoal. No livro Olga, o Fernando Morais diz que o senhor se casou virgem, com mais de 30 anos. Numa época, talvez, em que havia líderes nesse país que abdicavam de suas necessidades e faziam tudo pela causa revolucionária. Como é que o senhor hoje, nessa idade, num país que mudou, num mundo que mudou, como é que o senhor vê essa mudança de costumes, a juventude, as drogas, uma sociedade que é, sem dúvida, mais permissiva, não repressiva como a da sua época e, ao mesmo tempo, está cada vez mais distante o seu sonho de uma revolução libertadora?

Luís Carlos Prestes: O Fernando Morais, no livro dele...

Luiz Fernando Emediato: Eu gostaria que o senhor tentasse responder a essa pergunta não como a lenda Luiz Carlos Prestes, mas como o homem que tem toda a sua história de vida.

Luís Carlos Prestes: O Fernando Morais, no livro dele, tem pequenos erros. O livro dele é exato, é verídico, porque partiu de informações que eu ou minha filha demos a ele. De maneira que ele é verídico no fundamental. Além disso, ele soube, teve uma perícia muito grande em colocar o problema. De maneira emocional, o livro é uma grande contribuição para o conhecimento real dos episódios daquela época, porque ele tornou público num romance que pode ser popular, que o povo está lendo realmente. Mas, ele cometeu muitos pequenos erros. Entre eles, quando vai sacando sobre o futuro sem ter suficientes informações. Realmente eu era solteiro, eu não me casei, eu só fui me casar depois de trinta e poucos anos. Que a minha preocupação era melhorar a condição de vida da minha mãe e das minhas irmãs. Era órfão desde os 10 anos de idade. Tinha uma responsabilidade como homem, as minhas irmãs eram todas mulheres, quatro irmãs, e viviam em dificuldades muito grandes. Eu só fiz o curso da Escola Militar porque a minha mãe insistiu [risos]. Ela disse: você faz, são três anos, nós vencemos esses três anos e depois de três anos você está aspirante e a vida vai melhorar. E realmente melhorou a vida. Eu, só com os vencimentos de aspirante, já o salário do orçamento doméstico multiplicou por três, porque meus vencimentos de aspirante eram duas vezes o que ela vivia. Então, era solteiro e me casei com a Olga na viagem que fizemos da Europa para o Brasil. Agora, quanto a esta situação, isto é a crise do próprio capitalismo. Quer dizer, o processo...

Luiz Fernando Emediato: Mas, o senhor era virgem mesmo?

Luís Carlos Prestes: Não, já tinha, evidentemente, algum contato, já podia ter, não cabe a mim desenvolver esse assunto. De maneira, que o problema, essas coisas sacadas por um escritor, que nós temos que fazer sensação, naturalmente, para o livro ser sensacional. Mas, isto é compreensível. Se ele tivesse me mostrado antes, eu talvez conseguisse que ele eliminasse isso, que não havia nenhuma razão de ser essa informação. Nem creio que isso seja importante. Agora, o problema que eu me refiro ao livro dele é que ele cometeu alguns erros. Mas, são pequenos erros. E que eu não podia adivinhar. Se ele tivesse me apresentado o livro antes de mandar ao prelo, como ele tinha prometido, eu podia ter corrigido isso. Numa próxima edição ele pode, talvez, corrigir pequenos erros, para salvaguardar a verdade histórica, porque o livro é verdadeiro, é verídico. De maneira, que essa é a minha resposta. Tem mais alguma pergunta sua?

Luiz Fernando Emediato: O senhor começou a responder, mas não terminou, que é o problema da sociedade.

Luís Carlos Prestes: É a conseqüência da decadência do capitalismo. O capitalismo está em crise. Numa crise geral, que vem desde a Revolução Soviética de 1917. Isso está se acentuando cada vez mais. Veja a situação da Europa hoje. 30 milhões sem trabalho. E os economistas burgueses dizem que antes de terminar a década serão quarenta e tantos. No fim do século, serão 60. O capitalismo já está incompatível com a revolução científica e técnica. A revolução científica e técnica gera as novas armas, as novas máquinas, e cada nova máquina que entra na produção são dezenas, centenas, milhares de operários sem trabalho. Essa falta de trabalho é fruto do desenvolvimento da ciência, da mecanização da indústria. Essa mecanização gera a falta de trabalho. Isso mostra já a incompatibilidade do capitalismo. É necessária já uma nova sociedade. Se um homem como o Lula diz que o que precisamos é um novo regime, já mostra o que sente a classe operária das grandes empresas. Que o operário da grande empresa já não tem, como em 45, a maior parte do proletariado do país em 45 pensava ser dono da fábrica. Que a fábrica era pequena, média, então ele pensava que ele podia ser dono. E alguns se transformaram realmente em donos. Em patrões. Houve alguns que eu conheci, que eram realmente comunistas, e tinham uma fábrica com 400 operários.

Marcos Faermann: Senador, Prestes sem partido parece tão estranho quanto Picasso sem a cultura. O senhor é um homem solitário, hoje, porque não tem um partido?

Luís Carlos Prestes: Não, não sou solitário, porque tenho muitos amigos. Eu rompi com o comitê central de uma maneira pessoal, individual, não quis comprometer ninguém. Na carta aos comunistas, eu me dirigi ao partido expondo a minha posição e sem convidar ninguém a me acompanhar. No entanto, tenho ao redor do Brasil numerosos amigos que dizem que estão de acordo comigo. Muitas vezes estão de acordo no começo, depois rompem. Três candidatos que eu apoiei, por exemplo, em 82. O único compromisso que eles tinham comigo era o compromisso moral. Porque nós não temos estatuto nenhum, nenhuma burocracia para limitar a posição de cada um. E depois cada um deles seguiu o caminho que quis, individual, e rompeu comigo. O Pereirinha, vereador do Rio de Janeiro, que inclinou-se para o PCB, depois o Chuá e o Dornelles foram votar no Colégio Eleitoral e eu era contra, achava que não deviam, deviam utilizar aquela hora para fazer uma declaração de voto contra o Colégio Eleitoral. De maneira, que eu tive que publicar, com muita gentileza, de que eu repudiava aquela posição deles. Tanto que agora eles não nos apóiam, apóiam outros candidatos. Porque realmente rompemos. Porque o compromisso moral, hoje no Brasil, devido a essa decadência justamente do capitalismo, já não tem nenhum valor. Antigamente existia o fio de barba, valia mais que uma assinatura, que qualquer compromisso. Hoje, os compromissos morais são deixados de lado, não valem nada. Não valem mais coisa nenhuma.

Rodolfo Gamberini: Senhor Prestes, eu gostaria, em nome da produção do programa, de agradecer muito a sua presença aqui. Queria agradecer também a todos os jornalistas, sociólogos, historiadores, poetas que participaram. E a todos os convidados da produção, seus convidados. Muito obrigado por esse programa.

Luís Carlos Prestes: A minha posição também é a mesma, agradecendo a todos que indagaram, fizeram perguntas, todos elas, para mim, do ponto de vista de conhecimento para o público das minhas opiniões, das posições que defendo, todas elas foram perguntas úteis e eu agradeço a todos pela gentileza com que se comportaram e essa é a minha posição, e à emissora também, agradeço pela oportunidade que me deu de participar desse programa.

Rodolfo Gamberini: Muito obrigado senhor Luís Carlos Prestes! O Roda Viva volta segunda-feira que vem, às dez e vinte da noite! Até lá.


Notas:

(1) termo atribuído ao governo brasileiro pós ditadura militar. (retornar ao texto)

(2) Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna. Órgão repressivo do regime ditatorial que se instalou em 1964. (retornar ao texto)

(3) José Sarney de Araujo Costa. 1930-, foi presidente da República de 1985 a 1989. (retornar ao texto)

(4) leis e decretos deixados na Constituição pela ditadura militar. (retornar ao texto)

(5) Afonso Arinos de Mello e Franco (1905-1990) historiador e sociólogo. (retornar ao texto)

(6) Aliomar Baleero (1905-1978), deputado da Bahia durante a Constituinte. (retornar ao texto)

(7) conjunto de leis trabalhistas determinadas pelo governo de Mussolini que limitavam, por exemplo, a atuação dos sindicatos e o direito a greve. (retornar ao texto)

(8) O art 141 da Constituição de 1946 definia os direitos e garantias individuais. Foi bastante progressista na medida em que assegurava ao cidadão brasileiro e aos estrangeiros residentes no Brasil a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade. Definia como deveria funcionar o judiciário em casos de prisão. Além disso, previa a livre manifestação do pensamento, sem que dependa de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer. Finalmente certificava que a publicação de livros e periódicos não dependeria de qualquer licença do poder público. (retornar ao texto)

(9) projeto de emenda constitucional apresentado pelo deputado Dante de Oliveira que previa eleições diretas para novembro de 1982. A proposta provocou grande mobilização nacional, no entanto foi vetada pelo Congresso. (retornar ao texto)

(10) Ulysses Silveira Guimarães (1916-1992) presidente da Assembléia Nacional Constituinte em 1988. (retornar ao texto)

(11) Tancredo de Almeida Neves -1910-1985 -presidente do Brasil eleito indiretamente em 1985, que não chegou a tomar posse pois faleceu antes. (retornar ao texto)

(12) Plano Cruzado: Dirigida pelo ministro da Fazenda, Dílson Funaro, a equipe econômica do governo Sarney elaborou, em 1986, um plano econômico que visiva reduzir a taxa inflacionária interna do Brasil. O cruzeiro foi substituído pelo cruzado, e foi promovido um congelamento de preços e salários. O plano foi recebido inicialmente com grande entusiasmo pela população, no entanto, o congelamento de preços nos supermercados provocou a dimuição de alimentos e outros produtos básicos. Em julho do mesmo ano foi anunciado um novo plano que tinha por objetivo corrigir a crise do Plano Cruzado. Foi instituido o empréstimo compulsório, ou seja, foi cobrado dos contribuintes uma taxa sobre compra de carros, de gasolina e álcool, de dólares para viagens e passagens aéreas para o exterior, que seria devolvida à população logo após o fim da crise. (retornar ao texto)

(13) André Franco Montoro (1916-1999) empresário, foi governador do estado de São Paulo e presidente de honra do PSDB. (retornar ao texto)

(14) TFP - movimento fundado em 1960 por setores da Igreja Católica com o propósito de evitar os "males" do socialismo e do comunismo e que apoiou a ditadura militar no Brasil. (retornar ao texto)

(15) Afosno Arino de Melo e Souza, presidente da comissão de estudos constitucionais, encarregado de elaborar o anteprojeto da Constituição de 1988. (retornar ao texto)

(16) Dilson Domingos Funaro (1933-1988) empresário e ministro da Fazendo na época do Plano Cruzado. (retornar ao texto)

(17) Jean Luic Godard, cineasta francês. Na época seu filme Je vous salue Marie era proibido pela censura. (retornar ao texto)

(18) Movimento armado liderado pelo partido discidente (aliança liberal) da coligação Minas Gerais e Rio Grande do Sul que depôs o então presidente eleito em 24 de outubro de 1930. Desde a proclamação da República em 1889, o sistema representativo no Brasil apresentava certas falhas, tais como a instituição do voto aberto, provocando a manutenção das oligarquias mais fortes, no caso, Minas Gerais e São Paulo. Denominada de República Velha esse sistema eleitoral passou a sofrer críticas de diversos setores sociais nos anos 1920. Em 1929, lideranças paulistas romperam a aliança com os mineiros e indicaram Julio Prestes como candidato à presidência da República. Em reação, Minas Gerais e Rio grande do Sul formaram um novo partido e apoiaram a candidatura de Getúlio Vargas. As eleições previstas para março de 1930 deram a vitória ao candidato governista que não tomou posse em virtude do movimento armado liderado por Getúlio. (retornar ao texto)

(19) Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca (1855-1923) presidente do Brasil entre 1910-1914. (retornar ao texto)

(20) Antonio Carlos Magalhães (1927-2007) político do PFL, conservador e aliado dos militares durante a ditadura. (retornar ao texto)

(21) (1901-1981), militante político e crítico da arte. (retornar ao texto)

(22) Intentona Comunista foi um levante armado organizado em novembro de 1935 pela Aliança Nacional Libertadora e Luis Carlos Prestes contra o governo constituinte de Getúlio Vargas. Os envolvidos nesse movimento, em sua maioria comunistas e simpatizantes de partidos de esquerda, propunham organizar a população para derrubar o governo estabelecido, assim como instaurar um regime voltado para as aspirações populares. (retornar ao texto)

(23) Partido Integralista ou Nacionalismo Integral, partido liderado por Plinio Salgado inspirados nas teorias fascista]no Brasil. (retornar ao texto)