Dizem que os acadêmicos e intelectuais devem ser
neutros,
mas não há
neutralidade no pensamento.
(Florestan Fernandes)
O presente artigo
resgata, de forma panorâmica, elementos acerca da origem da universidade
enquanto espaço de sociabilidade, construção e intervenção social/educativa e,
também, percorre algumas das principais perspectivas históricas adotadas por
ela.
A universidade tem sua
ligação as escolas antigas dos gregos, romanos, estoicos e outros. Os primeiros
sinais de universidade foi na Europa, na Baixa Idade Média[1],
em um contexto de forte crise no modo de produção feudal e de muitos conflitos
e contradições sociais de toda ordem. Assim, as migrações para os burgus[2]
foram à solução encontrada naquele instante. Nessa perspectiva, a relação
com o avanço da burguesia e a necessidade de expandir relações comerciais fez
com que a universidade surgisse nesse contexto. “Segundo algumas fontes, a
palavra universitas foi originalmente
aplicada às sociedades corporativas escolásticas e, provavelmente no decorrer
do século XIV, o termo passou a ser usado à parte, no sentido exclusivo de uma
comunidade de professores e alunos, e cuja existência corporativa houvesse sido
reconhecida e sancionada pela autoridade eclesiástica ou civil” (Wanderley,
2003: 16).
Em relação ao Brasil,
vale ressaltar que a coroa portuguesa impediu de forma sistemática o surgimento
de universidades durante o período colonial.
Azeredo (1971)
relata a tentativa malsucedida da Câmara da Bahia, em 1971, de conseguir a
equiparação do colégio local ao de Évora, de que resultou a provisão de 16 de
julho de 1675, por meio da qual se autorizava levar em conta em Coimbra e em
Évora, um ano de artes, para os estudantes de retórica e filosofia que tivessem
cursado as aulas dos jesuítas na Bahia. Com esta medida, no dizer desse autor,
“se fecharam todas as perspectivas para a criação no Brasil colonial, de cursos
superiores destinados à preparação para as profissões liberais.” (Apud.
MENDONÇA, 2000: 132)
Sua política visava
submeter as elites nativas ao monopólio educacional advindo de Coimbra. Foi
somente a partir da chegada da família real, em 1808, que se permitiu a criação
das primeiras instituições de ensino superior, as quais adotaram um cunho
exclusivamente profissionalizante, ligadas às áreas de Medicina, da Engenharia
e do Direito. As mesmas foram instaladas em metrópoles economicamente mais
importantes da época. De acordo com Arruda (2011) o modelo de educação superior
implementado no Brasil, neste período, espelhou-se no modelo francês, com uma
organização administrativa centralizadora e ao mesmo tempo fragmentada.
No Brasil, a
Universidade Federal do Amazonas (UFAM) é considerada a primeira universidade
pública, originada a partir da Escola Universitária Livre de Manáos, criada em
janeiro de 1909.
Durante toda a construção
e efetivação da universidade pública no Brasil, até 1930 a universidade dava
mais ênfase ao ensino do que à investigação. De acordo com Mendonça (2000),
esse período se constitui extremamente complexo da vida brasileira, marcado,
principalmente, pela crise do sistema oligárquico tradicional, o que acaba por
resultar na transferência do foco de poder dos governos estaduais para o âmbito
nacional. As universidades, por sua vez, eram extremamente elitistas e tinham
forte orientação profissional.
De 1930 a 1968, fase de
expansão do sistema público, com a criação de mais de 20 universidades federais
e a contratação de grande número de professores europeus[3].
Cumpre destacar,
igualmente, que, a essa época, a comunidade científica crescera e desenvolvera
a sua organização, adquirindo maior articulação política , principalmente com a
criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1948, e
do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), em 1949 (Mendonça, 2000:
144).
De 1968 a 1988 as universidades
passaram para uma maior eficiência administrativa, implementação da estrutura
departamental, integração da pesquisa nas atividades acadêmicas como resultado
da reforma universitária. Arruda (2011) fala que essa Reforma Universitária de
1968 (Lei n.º 5.540/68), gestada nas entranhas do regime autoritário e,
sancionada sob égide do Ato Institucional n.º 5 (AI-5), Romanelli (1995, p.
231) destaca que a mesma decorreu da “necessidade” de se ajustar a universidade
ao “padrão de desenvolvimento econômico” instituído pelo capital internacional,
que requeria um modelo de universidade pautado na “racionalização, eficiência e
produtividade”, para promover o novo crescimento econômico.
Na década de 80, em um
contexto de redemocratização, culminando com a Constituição Federal de 1988 e a
homologação de leis que passaram a regular o ensino superior houve maior
flexibilização e ampliação deste sistema, redução do controle exercido pelo
governo e melhoria nos processos de avaliação, objetivando a elevação da qualidade
da educação. A propósito, no artigo 207, a Constituição Federal afirma: “As
universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de
gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
Atualmente, existem
vários debates em relação a importância da universidade. Alguns fazem a defesa
da educação como meio essencial para a formação de cidadãos aptos a promover o
desenvolvimento social, justo e equitativo, outros atribuem uma função
estratégica para a concretização do sistema capitalista e alguns que consideram
a universidade uma instituição conservadora, obsoleta ou ultrapassada.
Não suficiente com as
concepções e/ou divergências conceituais, a universidade ainda passa por
problemas no campo universitário. Na sua última obra “Democracia e
Universidade” José Saramago (2010) afirma que “não há solução para os problemas
do ensino primário e médio; tudo é um bloco homogéneo e coerente”.
Deste modo, a
universidade começou a ser vista como uma instituição inseparável da ideia de
participação e democracia. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, no
centro da reforma do Estado, a universidade pública sofreu mudanças
significativas no que se refere ao seu papel social.
Para Chauí (2003), a
universidade é uma instituição social como tal exprime de maneira determinada e estruturada e o modo
de funcionamento da sociedade como um todo e que a universidade pública sempre
foi uma instituição social, isto é, uma ação social, uma prática social fundada
no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num
princípio de diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras
instituições sociais, e estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores
de reconhecimento e legitimidade interno a ela.
Dito isto, a reforma do
Estado definiu a universidade como uma organização social e não uma instituição
social. Chauí (2003) diz que:
Uma organização
difere de uma instituição por definir-se por uma prática social determinada de
acordo com sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios
(administrativos) particulares para obtenção de um objetivo particular. A
instituição social aspira à universalidade. Em outras palavras, a instituição
se percebe inserida na divisão social e política e busca definir uma
universalidade (imaginária ou desejável) que lhe permita responder às
contradições, impostas pela divisão.
Desta forma, vale dizer
que não basta para a universidade estar em movimento. É preciso que esteja
movimentando-se na direção correta. O rumo certo, entretanto, não está traçado.
Ele vai se construindo. E haverá tanto mais condições de construí-lo na melhor
direção (ou nas melhores condições) quanto mais participação de todos os níveis
e setores da comunidade acadêmica e da sociedade em geral houver . É,
participando, acertando e errando, que se faz o caminho.
Bibliografia
ARRUDA,
Ana Lúcia Borba de. Expansão da educação
superior: uma análise do programa de apoio e planos de reestruturação e
expansão das Universidades Federais (REUNI) na Universidade Federal de
Pernambuco. – Recife: O Autor, 2011.
CHAUÍ,
Marilene. A universidade pública sob nova perspectiva. Revista Brasileira de Educação, n. 24, Set/Out/Nov/Dez. 2003.
MEDONÇA,
Ana Waleska P. C. A universidade no
Brasil. Revista Brasileira de Educação,
n. 14, maio/jun./jul./ago.2000.
WANDERLEY, Luiz Eduardo. O que é Universidade?. 9ª edição, São Paulo: Brasiliense, 2003.
[1]
A Baixa Idade Média, segundo os historiadores, é o período compreendido entre
os séculos XI e XIV.
[2]
Em latim significa pequena fortaleza.
[3]
Nesse período também surgiram algumas universidades confessionais (católicas e
presbiterianas).
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