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quarta-feira

#BlogNemComento - Heloisa Villela: Em livro, psiquiatra entrega os segredos sujos da profissão


por Heloisa Villela, de Washington

Li, de ontem para hoje, um livro muito interessante. Não é lançamento deste ano. Ele foi publicado em maio de 2010. Mas é muito atual. Unhinged, do doutor Daniel Carlat, é um relato muito honesto de um profissional que viveu as mudanças da psiquiatria norte-americana no dia-a-dia. O médico acabou transformando sua prática e a relação com os pacientes depois de se ver questionado por alguns deles e por um punhado de colegas.

O doutor Carlat também teve suas brigas com a depressão. A mãe tinha problemas sérios e se suicidou quando ele saiu de casa para cursar a universidade. Formado em psiquiatria, Daniel Carlat começou a atender os pacientes. Como conta, aprendeu a usar o livro de diagnósticos da profissão (atualmente o Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders-IV) e a receitar os remédios. Depressão, bipolaridade, alguns casos de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade…

Enquanto se especializava no Hospital de Massachussets, foi reparando na relação estreita entre os psiquiatras e os representantes da indústria farmacêutica. Vendedores fazem todo tipo de salamaleque, oferecem agrados, presentes e jantares, para seduzir os donos do bloquinho de receitas. Antes de mais nada, é bom deixar claro: o doutor Carlat receita remédios a seus pacientes até hoje. Acredita que a profissão precisa de todos os instrumentos disponíveis para aliviar o sofrimento de quem procura ajuda.

Mas o que ele viu, e fez, ao longo dos anos foi bem mais que isso. Ele próprio foi contratado por uma empresa fabricante de remédios para depressão para dar palestras em clinicas e hospitais. Reuniu médicos em almoços e destacou as vantagens de um remédio (o da empresa que pagava pelas palestras, claro) em comparação a outros. O doutor Carlat confessa que escondeu dados e ressaltou o que havia de melhor nas pesquisas, sempre do ponto de vista da empresa-patroa. Quando ele começou a ser um pouco mais honesto, perdeu a boquinha.

O autor destaca que com certeza existem diferenças entre os remédios usados na psiquiatria. Por exemplo, se o paciente está sofrendo por causa da depressão e ainda por cima está emagrecendo muito, é melhor receitar um remédio que provoca ganho de peso como efeito colateral. Mas, pra quem já pesa mais do que devia, procura outro.

Existem diferentes categorias de antidepressivos, mas em cada categoria não existe diferença notável entre as drogas. O doutor Carlin pode receitar um ou outro remédio como primeira tentativa para um paciente, e escolher outro para um segundo. Como ninguém sabe, exatamente, até hoje, porque um remédio aparentemente funciona para uma pessoa, em determinado momento, e não para outra, tudo não passa mesmo de tentativa e erro. Tenta-se um remédio e observam-se as consequências. Se vai bem, ótimo. Caso contrário, tenta-se outro.

Mas o que realmente impressiona, no livro, é a descrição nua e crua que o autor faz da forma como a indústria farmacêutica opera para promover seus produtos: como esconde dados, manipula resultados e como a FDA (Food and Drug Aministration, agência federal encarregada de vigiar a qualidade dos remédios) é frouxo nas exigências, além de permitir abusos.

No livro, o doutor Carlin expõe a promiscuidade entre psiquiatras e a indústria farmacêutica, os que ganham muito dinheiro promovendo remédios e repetindo dados maquiados, os que simplesmente assinam “artigos cientificos” sem ler, sabendo que eles foram escritos, na verdade, pela própria indústria farmacêutica, e a grande maioria dos profissionais que se limita a receber o paciente, fazer o questionário de rotina e receitar remédios, sem se preocupar com o conhecimento mais aprofundado dos problemas do paciente… Foi o que ele fez durante anos.

Ele explica: não se ganha dinheiro de outra forma. Receber um paciente por 45 ou 50 minutos é prejuízo na certa. Em 15 minutos o questionário padrão está respondido, o remédio receitado e o próximo paciente já está dentro do consultório.

Quando mudou a prática, depois de tudo que testemunhou, o doutor Carlat começou a ver melhores resultados na saúde dos pacientes. Hoje, ele usa uma combinação de remédios e terapia. Diz que a psiquiatria norte-americana está em crise. Crise de credibilidade, por causa do casamento com a indústria farmacêutica; com a imagem distorcida, por vender a ideia de que psiquiatria é uma ciência que tem base biológica, por insistir que depressão, transtorno bipolar e outras doenças são provocadas por desequilíbrios químicos no cérebro, ideia que se tornou popular.

O doutor Carlin até acha que um dia a Ciência talvez consiga comprovar essa teoria e explicar exatamente como tudo acontece. Mas sabe — e deixou claro no livro — que até hoje é tudo tentativa e erro. O autor diz que a profissão precisa ser totalmente reestruturada. O foco exclusivo na farmacologia, em detrimento de outras técnicas, tem que ser revisto.

Ele acha que treinar os profissionais dentro da escola de medicina exacerba a ênfase na visão biomédica dos problemas mentais. Toma tempo demais com todo o aprendizado necessário para exercer a medicina e totalmente desnecessário para exercer a psiquiatria. Tempo que, segundo ele, deveria ser empregado ensinando outros tipos de psicoterapia: terapias em família, de grupo, avaliações neuropsicológicas e uso do apoio comunitário para tratamento das doenças mentais crônicas. Sem falar, é claro, no restabelecimento dos padrões éticos na relação entre profissionais do ramo e a indústria farmacêutica.

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