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sexta-feira

#BlogNemComento #RedePT13 - Fernando Brito: Com novas tecnologias, jornada de trabalho aumentou




O ministro Brizola Neto em recente entrevista a blogueiros
Conversa de Villa
Simplório julgar o ministro por incompletos dados de agenda. A citação a Lafargue vale, porém: a internet realmente cria hoje padrões horários de escravidão
O historiador Marco Antonio Villa escreveu, aqui nesta Folha, um artigo que revela, novamente, a sua vocação para a historiografia baseada em agendas. Em “O trabalho do ministro do Trabalho” (30/7), proclama que Brizola Neto, titular do cargo, é “adepto radical de Lafargue”, autor de “O Direito à Preguiça”.
Retoma o método (?) de pesquisa simplório de verificar o comportamento de um administrador público por uma análise burocrática de simples e incompletos registros da agenda oficial de gabinete.
Já havia feito o mesmo com ninguém menos que o presidente Lula, em 2006, no mesmo espaço, afirmando ser “altamente questionável a eficácia” de Lula, com períodos onde “teve 0,6 compromisso por dia”.
Ao tentar fazer o mesmo com um simples ministro, Villa baixa o nível de sua “historiografia” banal e fútil.
Não analisa os atos praticados pelo ministro (como a mudança nos programas de qualificação profissional, o saneamento da concessão de registros sindicais, a retomada do diálogo com as entidades patronais e laborais, entre outros) e o seu papel de representação do nosso país, seja na reunião dos ministros do trabalho do G20, seja como chefe da delegação brasileira no Congresso da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra – descrito como um simples “estava na Suíça, que ninguém é de ferro”.
Certamente, Villa não diria o mesmo se, em lugar de um congresso que consagrou a proteção social, o ministro estivesse na mesma Suíça, mas em Davos, no Fórum Econômico Mundial, onde governantes e a elite do mundo financeiro discutem os graves problemas do capital.
E, claro, escapa à sua exaustiva pesquisa “agendográfica” o tempo necessário para reorganizar um ministério que, ele próprio reconhece, funcionava à base da interinidade.
Mas uma contribuição, faça-se justiça, a conversa de Villa traz.
Ao citar Paul Lafargue, um pensador socialista do século 19 (e genro de Karl Marx), ele relembra a questão do direito, não do ministro, mas dos trabalhadores, a uma jornada de trabalho que reserve tempo para o direito humano ao lazer, à família, à cultura… As jornadas de então, 12 horas diárias nos países centrais, ainda são realidade para muitos brasileiros. É uma discussão atual e necessária que, embora amortecida pela crise da economia mundial, precisa ser travada pelo Brasil.
A luta do movimento sindical pela jornada de 40 horas, que sempre teve o apoio militante de Brizola Neto quando deputado, segue um compromisso trabalhista que todos nós, seus colaboradores, sustentamos.
(Mas, lamento informar ao historiador, não cumprimos tal jornada em nossas próprias funções, que por vezes nos absorvem até por 14 horas e nunca menos de dez horas diárias.)
Ao relevante, pois.
Em março, o Ipea revelou que quase metade dos trabalhadores pesquisados não se desliga totalmente do trabalho ao fim da jornada formal.
Novas tecnologias, em vez de gerarem tempo livre, reduzem-no. Um quarto dos trabalhadores são obrigados pelos superiores a ficar de prontidão, 8% precisam desenvolver atividade extra por celular ou internet, 40% dizem que a qualidade de vida é afetada pela jornada exaustiva e 10% revelaram que até relações familiares se degradam por isso.
A tecnologia não raro vem se convertendo em instrumento para retornar a jornada e a disponibilidade do trabalhador -e notadamente do de classe média- aos padrões horários do escravismo.
O artigo do senhor Villa foi publicado no mesmo dia em que, em vários pontos do país, transportadores autônomos se insurgem contra uma lei “absurda”, que obriga motoristas de carretas de 30 ou 40 toneladas e de ônibus cheios de passageiros a não dirigirem ininterruptamente por mais de quatro horas e não mais que dez horas por dia.
Que perda de “produtividade”, não? Os milhares de vidas humanas e os milhões em danos materiais provocados por esta que é a maior fonte de acidentes rodoviários não ocuparam nem o espaço de uma boa reportagem na maioria dos jornais.
Mas é natural que o historiador de agendas esteja ocupado demais com querelas e fuxicos para dar atenção à história.
*FERNANDO BRITO, 53, jornalista, é chefe do gabinete do ministro do Trabalho

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