Notas sobre juventude e desenvolvimento
Bruno Elias
A eleição de Dilma Rousseff para um terceiro mandato progressista na presidência do Brasil marca uma nova etapa da disputa iniciada no Governo Lula por um programa de transformações democráticas e populares para o país. Essa conjuntura inédita exige que nos debrucemos sobre questões que antes não tinham a mesma relevância no debate político, dentre as quais a questão social da juventude e suas implicações para um desenvolvimento de orientação democrática e popular.
Se o tema juventude ainda é considerado por muitos como secundário, sem relevância diante das “grandes” questões econômicas e sociais é, em parte, porque sobre o mesmo recai uma magnitude de incompreensões e superficialidades que limitam o entendimento sobre a singularidade desta categoria social.
A juventude, enquanto um período específico do ciclo de vida, é marcada pela superação da condição anterior de dependência e proteção exigida pela infância e adolescência por uma etapa em que o indivíduo processa de maneira intensa a busca de sua plena inserção na vida social.
Esta condição, perseguida a partir do desenvolvimento de sua autonomia pessoal e independência, se dá num ambiente de acentuado conflito entre tais anseios e os limites impostos na sociedade capitalista e se manifesta a partir de múltiplas desigualdades e diversidade internas, segundo recortes de classe, gênero, etnia, renda familiar, região de moradia, etc.
O bônus demográfico
É desta leitura diferenciada sobre este momento da vida e a partir da convergência de uma série de fenômenos sociais, que a questão da juventude deve ser localizada no debate mais geral sobre as tendências e a natureza do desenvolvimento.
Dentre estes fenômenos, o conhecimento da dinâmica demográfica em curso no país assume uma dimensão estratégica. A combinação de uma progressiva redução dos índices de mortalidade com a elevada taxa de fecundidade durante os anos 1970 e 1980, propiciou uma profunda alteração na estrutura etária brasileira.
O fato é que a população jovem de 15 a 29 anos nunca foi tão grande no Brasil, aproximadamente 50 milhões ou pouco mais de 25% da população do país. Esta “onda jovem” proporcionou um fenômeno igualmente importante denominado bônus demográfico, no qual o peso da população economicamente ativa (15 a 64 anos) supera o da população dependente – crianças e idosos.
O bônus demográfico é um ativo importantíssimo no desenvolvimento das forças produtivas do país possibilitando, desde que bem aproveitado por uma ação planejada do Estado, um aumento da produção e da renda per capita, a elevação da capacidade de poupança e de investimento e uma otimização dos gastos sociais demandados pela população dependente.
Por acontecer uma única vez, em longos períodos históricos, o bônus demográfico também é conhecido nos estudos populacionais como “janela de oportunidades” para o desenvolvimento.
Os países que aproveitaram tais “janelas” tiveram êxitos na sustentação de seus ciclos de desenvolvimento. Para ficarmos apenas em alguns exemplos, são muitos os estudos que associam o “baby boom” do pós II Guerra à expansão dos “30 anos de ouro do capitalismo” nos EUA e Europa; a expansão dos Tigres Asiáticos e do Japão, também teriam contado com condições demográficas favoráveis nos idos de 1960 e 1970; e na China, a “política do filho único”, dirigida a partir do processo de Reforma e Abertura iniciada em 1978 acabou por gerar um bônus demográfico que participa até hoje do dinamismo econômico que transformou o país asiático na “fábrica do mundo”.
O Estado brasileiro deve considerar tais questões, inclusive, no âmbito das políticas de integração continental, uma vez que com a exceção dos caribenhos, os países da América Latina conformam semelhantes dinâmicas populacionais.
Uma outra questão importante a ser colocada é que tais condições favoráveis são transitórias e não podem ser desperdiçadas. Pelas projeções estatísticas, nosso bônus demográfico se estenderá aproximadamente até 2030, e a partir de então se acentuará uma outra fase de transição demográfica.
A partir da queda expressiva das taxas de fecundidade e da manutenção de baixas taxas de mortalidade e elevação da expectativa de vida da população, passaremos a acompanhar um declínio da população jovem e um crescimento significativo da população idosa, o que exigirá profundas reestruturações no mundo do trabalho e em políticas públicas como saúde, previdência social e mobilidade urbana.
Enfrentar a herança conservadora
Para além da questão demográfica, a importância da juventude no debate do desenvolvimento vai além do seu peso populacional. Principalmente se a intenção não for reduzir o desenvolvimento do país ao mero crescimento econômico ou diluir a questão da juventude nos indicadores gerais de geração de postos de trabalho ou criação de novas vagas escolares.
A via conservadora de desenvolvimento e a própria existência do bônus demográfico, por si, nunca garantiu a inclusão da questão da juventude como pauta diferenciada. A incorporação à sociedade dos primeiros filhos da “onda jovem” durante os anos 1980 e 1990, por exemplo, coincidiu com o esgotamento do desenvolvimentismo conservador e a expansão do projeto neoliberal no país.
Depois de anos de baixo crescimento econômico e regressão social, podemos dizer que os jovens foram os maiores afetados pelos anos neoliberais. O desmonte da educação e saúde pública, a precarização do acesso ao mundo do trabalho, a escalada da violência nos centros urbanos, a concentração da propriedade no campo, entre outras faces do legado neoliberal, atingiram fortemente a vida dos jovens brasileiros.
Enfrentar tal herança exigirá uma ampliação do reconhecimento político e institucional iniciados pelo governo Lula, em que a compreensão da juventude como “problema social” a ser tutelado passa a perder força para a perspectiva de sujeito de direitos e os jovens se tornam um dos segmentos mais beneficiados pelos avanços das políticas sociais do governo.
Uma nova geração de políticas e direitos da juventude
A orientação geral do Governo Dilma em trabalhar a erradicação da miséria e da fome extrema como meta fundamental de governo continuará demandando um enfoque social ampliado das políticas sociais da juventude. A implementação de políticas públicas de juventude abrangentes e em escala devem colaborar na superação do ciclo de reprodução da pobreza que atinge as novas gerações.
Nesta perspectiva, a ampliação da cobertura das políticas sociais deve compreender também uma nova geração de políticas públicas de juventude e a criação de novos direitos sociais. O recorte conceitual que deve organizar essa nova geração de políticas é o da emancipação e do desenvolvimento integral dos jovens, passando pela afirmação de novos direitos específicos como ao financiamento público do tempo livre, à experimentação, à redução obrigatória da jornada de trabalho durante os estudos, ao trabalho decente, dentre outros.
Ademais, uma nova abordagem programática da articulação entre o mundo do trabalho e a educação para os jovens também se faz necessária.
Apontar uma inserção social e produtiva da juventude diferenciada da atual passa por enfrentar a situação do trabalho juvenil no país - precoce, precarizado, mal remunerado, com longas jornadas, incompatível com a continuidade dos estudos, etc. O desafio passa a ser o de combinar a criação de postos de trabalho decente para a juventude com o financiamento de programas que integrem políticas de transferência de renda, elevação continuada e qualitativa da escolaridade, tempo livre, formação científica e tecnológica e mobilização em serviços comunitários.
De igual maneira, a política educacional deve dar um salto de qualidade. Além da ampliação do acesso à todas as modalidades de ensino e a erradicação do analfabetismo, será preciso empreender uma reestruturação profunda do Ensino Médio em sua articulação com os distintos campos do saber e iniciação científica, na integração com o ensino técnico e profissional e nos seus instrumentos de ensino-aprendizagem, gestão democrática e política pedagógica.
A compreensão das demandas e aspirações destas novas gerações será fundamental para a disputa de um modelo de desenvolvimento alicerçado em reformas democráticas e populares. Construir uma maioria política na sociedade brasileira em torno um projeto democrático e popular de desenvolvimento que articule soberania nacional e integração regional, desenvolvimento econômico com progresso social e ampliação da democracia com participação popular não pode prescindir das novas gerações. Para setores expressivos da juventude brasileira tratar-se-á de uma luta por uma sociedade diferente da atual, em que os bloqueios da sociedade capitalista e do desenvolvimentismo conservador impedem seu pleno desenvolvimento e autonomia.
Bruno Elias é estudante de Serviço Social da Universidade de Brasília e Coordenador de relações internacionais da Juventude do PT
A eleição de Dilma Rousseff para um terceiro mandato progressista na presidência do Brasil marca uma nova etapa da disputa iniciada no Governo Lula por um programa de transformações democráticas e populares para o país. Essa conjuntura inédita exige que nos debrucemos sobre questões que antes não tinham a mesma relevância no debate político, dentre as quais a questão social da juventude e suas implicações para um desenvolvimento de orientação democrática e popular.
Se o tema juventude ainda é considerado por muitos como secundário, sem relevância diante das “grandes” questões econômicas e sociais é, em parte, porque sobre o mesmo recai uma magnitude de incompreensões e superficialidades que limitam o entendimento sobre a singularidade desta categoria social.
A juventude, enquanto um período específico do ciclo de vida, é marcada pela superação da condição anterior de dependência e proteção exigida pela infância e adolescência por uma etapa em que o indivíduo processa de maneira intensa a busca de sua plena inserção na vida social.
Esta condição, perseguida a partir do desenvolvimento de sua autonomia pessoal e independência, se dá num ambiente de acentuado conflito entre tais anseios e os limites impostos na sociedade capitalista e se manifesta a partir de múltiplas desigualdades e diversidade internas, segundo recortes de classe, gênero, etnia, renda familiar, região de moradia, etc.
O bônus demográfico
É desta leitura diferenciada sobre este momento da vida e a partir da convergência de uma série de fenômenos sociais, que a questão da juventude deve ser localizada no debate mais geral sobre as tendências e a natureza do desenvolvimento.
Dentre estes fenômenos, o conhecimento da dinâmica demográfica em curso no país assume uma dimensão estratégica. A combinação de uma progressiva redução dos índices de mortalidade com a elevada taxa de fecundidade durante os anos 1970 e 1980, propiciou uma profunda alteração na estrutura etária brasileira.
O fato é que a população jovem de 15 a 29 anos nunca foi tão grande no Brasil, aproximadamente 50 milhões ou pouco mais de 25% da população do país. Esta “onda jovem” proporcionou um fenômeno igualmente importante denominado bônus demográfico, no qual o peso da população economicamente ativa (15 a 64 anos) supera o da população dependente – crianças e idosos.
O bônus demográfico é um ativo importantíssimo no desenvolvimento das forças produtivas do país possibilitando, desde que bem aproveitado por uma ação planejada do Estado, um aumento da produção e da renda per capita, a elevação da capacidade de poupança e de investimento e uma otimização dos gastos sociais demandados pela população dependente.
Por acontecer uma única vez, em longos períodos históricos, o bônus demográfico também é conhecido nos estudos populacionais como “janela de oportunidades” para o desenvolvimento.
Os países que aproveitaram tais “janelas” tiveram êxitos na sustentação de seus ciclos de desenvolvimento. Para ficarmos apenas em alguns exemplos, são muitos os estudos que associam o “baby boom” do pós II Guerra à expansão dos “30 anos de ouro do capitalismo” nos EUA e Europa; a expansão dos Tigres Asiáticos e do Japão, também teriam contado com condições demográficas favoráveis nos idos de 1960 e 1970; e na China, a “política do filho único”, dirigida a partir do processo de Reforma e Abertura iniciada em 1978 acabou por gerar um bônus demográfico que participa até hoje do dinamismo econômico que transformou o país asiático na “fábrica do mundo”.
O Estado brasileiro deve considerar tais questões, inclusive, no âmbito das políticas de integração continental, uma vez que com a exceção dos caribenhos, os países da América Latina conformam semelhantes dinâmicas populacionais.
Uma outra questão importante a ser colocada é que tais condições favoráveis são transitórias e não podem ser desperdiçadas. Pelas projeções estatísticas, nosso bônus demográfico se estenderá aproximadamente até 2030, e a partir de então se acentuará uma outra fase de transição demográfica.
A partir da queda expressiva das taxas de fecundidade e da manutenção de baixas taxas de mortalidade e elevação da expectativa de vida da população, passaremos a acompanhar um declínio da população jovem e um crescimento significativo da população idosa, o que exigirá profundas reestruturações no mundo do trabalho e em políticas públicas como saúde, previdência social e mobilidade urbana.
Enfrentar a herança conservadora
Para além da questão demográfica, a importância da juventude no debate do desenvolvimento vai além do seu peso populacional. Principalmente se a intenção não for reduzir o desenvolvimento do país ao mero crescimento econômico ou diluir a questão da juventude nos indicadores gerais de geração de postos de trabalho ou criação de novas vagas escolares.
A via conservadora de desenvolvimento e a própria existência do bônus demográfico, por si, nunca garantiu a inclusão da questão da juventude como pauta diferenciada. A incorporação à sociedade dos primeiros filhos da “onda jovem” durante os anos 1980 e 1990, por exemplo, coincidiu com o esgotamento do desenvolvimentismo conservador e a expansão do projeto neoliberal no país.
Depois de anos de baixo crescimento econômico e regressão social, podemos dizer que os jovens foram os maiores afetados pelos anos neoliberais. O desmonte da educação e saúde pública, a precarização do acesso ao mundo do trabalho, a escalada da violência nos centros urbanos, a concentração da propriedade no campo, entre outras faces do legado neoliberal, atingiram fortemente a vida dos jovens brasileiros.
Enfrentar tal herança exigirá uma ampliação do reconhecimento político e institucional iniciados pelo governo Lula, em que a compreensão da juventude como “problema social” a ser tutelado passa a perder força para a perspectiva de sujeito de direitos e os jovens se tornam um dos segmentos mais beneficiados pelos avanços das políticas sociais do governo.
Uma nova geração de políticas e direitos da juventude
A orientação geral do Governo Dilma em trabalhar a erradicação da miséria e da fome extrema como meta fundamental de governo continuará demandando um enfoque social ampliado das políticas sociais da juventude. A implementação de políticas públicas de juventude abrangentes e em escala devem colaborar na superação do ciclo de reprodução da pobreza que atinge as novas gerações.
Nesta perspectiva, a ampliação da cobertura das políticas sociais deve compreender também uma nova geração de políticas públicas de juventude e a criação de novos direitos sociais. O recorte conceitual que deve organizar essa nova geração de políticas é o da emancipação e do desenvolvimento integral dos jovens, passando pela afirmação de novos direitos específicos como ao financiamento público do tempo livre, à experimentação, à redução obrigatória da jornada de trabalho durante os estudos, ao trabalho decente, dentre outros.
Ademais, uma nova abordagem programática da articulação entre o mundo do trabalho e a educação para os jovens também se faz necessária.
Apontar uma inserção social e produtiva da juventude diferenciada da atual passa por enfrentar a situação do trabalho juvenil no país - precoce, precarizado, mal remunerado, com longas jornadas, incompatível com a continuidade dos estudos, etc. O desafio passa a ser o de combinar a criação de postos de trabalho decente para a juventude com o financiamento de programas que integrem políticas de transferência de renda, elevação continuada e qualitativa da escolaridade, tempo livre, formação científica e tecnológica e mobilização em serviços comunitários.
De igual maneira, a política educacional deve dar um salto de qualidade. Além da ampliação do acesso à todas as modalidades de ensino e a erradicação do analfabetismo, será preciso empreender uma reestruturação profunda do Ensino Médio em sua articulação com os distintos campos do saber e iniciação científica, na integração com o ensino técnico e profissional e nos seus instrumentos de ensino-aprendizagem, gestão democrática e política pedagógica.
A compreensão das demandas e aspirações destas novas gerações será fundamental para a disputa de um modelo de desenvolvimento alicerçado em reformas democráticas e populares. Construir uma maioria política na sociedade brasileira em torno um projeto democrático e popular de desenvolvimento que articule soberania nacional e integração regional, desenvolvimento econômico com progresso social e ampliação da democracia com participação popular não pode prescindir das novas gerações. Para setores expressivos da juventude brasileira tratar-se-á de uma luta por uma sociedade diferente da atual, em que os bloqueios da sociedade capitalista e do desenvolvimentismo conservador impedem seu pleno desenvolvimento e autonomia.
Bruno Elias é estudante de Serviço Social da Universidade de Brasília e Coordenador de relações internacionais da Juventude do PT
Bruno Elias
Coordenador de relações internacionais da JPT
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