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quinta-feira

ANÁLISE PERFEITA

Antes de falar sobre a condenação do banqueiro Daniel Dantas a dez anos de prisão, e pagamento de multa de 12 milhões de reais, lembremos como ele, e seu banco, o Opportunity, surgiram no cenário brasileiro. O Opportunity foi criado, em meados dos anos 90, para abocanhar parte do espólio das comunicações, durante o açodado e suspeito processo de privatização. Gravações telefônicas divulgadas para o mundo, que, estranhamente, nunca causaram a habitual fúria ética dos colunistas, revelaram que o governo federal pressionou o BNDES a favorecer o Opportunity na privatação da Telebrás. Assim, surge Dantas. Como dono de um importante naco da telefonia pública brasileira.

A gravidade do fato, até hoje, não foi justamente analisada pela imprensa. Os tucanos vivem repetindo o mantra: antes ninguém tinha telefone, ninguém tinha celular, hoje todo mundo tem, e isso é resultado da privatização. Sem querer, eles mesmos dão a senha para o roubo perpetrado contra um dos patrimônios mais valiosos do povo brasileiro. Naqueles idos de 90, a telefonia ainda não havia passado pela revolução que iria viver nos anos seguintes. As novas tecnologias de comunicação ainda estavam sendo testadas nos países do primeiro mundo, mas certamente havia especialistas que sabiam que, em breve, os negócios com telefonia experimentariam um incrível boom. Investidores estrangeiros trabalhavam freneticamente na construção de gigantescas fábricas, a maioria na Ásia, com capacidade para produzir milhões de aparelhos de celular a baixo custo. Outros investidores, de olho neste mercado ainda virgem, operavam politicamente para privatizar sistemas telefônicos do terceiro mundo antes que os celulares surgissem e as sociedades percebessem a mina de ouro que o controle das ligações representaria para seus proprietários.

Então foi isso. O sistema telefônico brasileiro foi privatizado a toque de caixa antes que o Brasil se desse conta da revolução que estava por vir. A telefonia brasileira, de uma hora para outra, não era mais pública. O sistema agora tinha dono, e um deles se chamava Daniel Dantas. O irônico (e triste, para o Brasil) é que Dantas havia comprado o seu naco da telefonia brasileira usando apenas seu capital político, suas conexões com os poderosos da época, como Antonio Carlos Magalhaes, Tasso Jereissati, José Serra, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Mendonça de Barros. O Opportunity não colocou um centavo do próprio bolso. O dinheiro veio do BNDES. Então tivemos aquela situação ímpar, que se repetiu em outras privatizações importantes, como a da Vale do Rio Doce. O Brasil emprestou dinheiro para vender seu próprio patrimônio.

Alguns anos depois - e certamente não foi uma coincidência - a revolução tecnológica das comunicações chegaria ao Brasil. O sistema de telefonia à distância encontraria um ambiente totalmente privatizado, e a solução encontrada pelo governo seria distribuir, à semelhança do rei de portugal quando resolveu colonizar o Brasil, capitanias telefônicas para as empresas interessadas.

Não foi somente a entrada do celular que revolucionou o mercado telefônico mundial. A própria informatização trouxe, de maneira geral, uma estupenda redução de custos para as operadoras telefônicas, que puderam substituir dezenas de milhares de funcionários por super-computadores e softwares especializados.

Dantas agora era um bilionário, e uma figura cada vez mais influente nas altas esferas da politica nacional. Seu dinheiro ilimitado comprava-lhe as amizades mais importantes da república, como senadores, juízes do Supremo, magnatas da indústria, jornalistas, advogados famosos, ministros, etc.

Em 2002, porém, a turma de Dantas toma o primeiro susto. Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, elege-se presidente da República. O medo da família Dantas, como se vê, era justificado, porque Lula, embora tenha tido a prudência de não realizar devassas afobadas na administração pública, iniciou uma rápida e vigorosa reconstrução da Polícia Federal, principal orgão nacional de investigação dos grandes crimes de colarinho branco. A prisão de Dantas não é nada mais que o resultado dessa nova Polícia Federal. Lula determina aumento do efetivo, a compra de aparelhos, a reforma dos edifícios. Quando um historiador fizer uma pesquisa sobre o histórico da segurança pública no país, Lula terá um lugar marcante como o presidente que recuperou o prestígio da Polícia Federal, sucateada e manipulada politicamente durante os oito anos de Fernando Henrique Cardoso. Reaparelhada e fortalecida, chefiada por Paulo Lacerda, um homem de grande capacidade intelectual, corajoso e apoiado diretamente pelo presidente da República, a PF irá, em breve, sair do marasmo em que havia permanecido por longos anos. Em pouco tempo, a PF se tornará, como é até hoje, protagonista do noticiário nacional, desbaratando e prendendo antigas quadrilhas que agiam em todo país, muitas delas lideradas por desembargadores, prefeitos, juízes, advogados, grandes empresários. Ninguém escapará das garras da PF. Até o escorregadio Paulo Maluf, que acumulava, há décadas, centenas de processos contra sua pessoa, é preso em 2005. As operações da PF seriam intensificadas após a reeleição de Lula. Em agosto de 2006, o presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia, é preso pela Polícia Federal. Em novembro de 2007, o presidente do Tribunal de Contas da Bahia é preso pela PF. Esses são apenas alguns exemplos de poderosos presos, quebrando velhos tabus nacionais de que "rico não vai pra cadeia".

Mas nenhuma prisão seria mais bombástica, mais polêmica, e causaria mais frisson do que a de Daniel Dantas, família e sócios. No dia 8 de julho, o comandante da operação Satiagraha, o delegado Protógenes Queiroz, e mais 300 agentes, prenderam Dantas, um dos homens mais poderosos e influentes do país. No relatório que seria divulgado semanas depois, Queiroz denunciaria que Dantas utilizava suas relações com a mídia para lesar a Justiça brasileira e o patrimônio público, nomeando especificamente o colunista da Veja, Diogo Mainardi, como cúmplice de Dantas nesses esquemas.

Dantas seria solto, preso novamente e liberado uma segunda vez, sempre pelo Supremo Tribunal de Justiça. Os debates nacionais em torno de Dantas acenderiam enorme polêmica. A pressão política sobre a PF, sobre o governo, sobre a mídia, seria monstruosa. Táticas de contra-informação seriam usadas para atacar a tudo e a todos. O delegado Protógenes Queiroz seria substituído no comando da operação, gerando forte suspeita, por parte de uma opinião pública ainda extremamente cética, de que o lobby dantesco teria conseguido se infiltrar no governo federal. O próprio Queiroz, insuflado, por um lado, por jornalistas revoltados, uma extrema-esquerda oportunista e uma opinião pública eternamente indignada, e, de outro, por ataques baixos vindo da imprensa corporativa, como matérias na Folha de São Paulo que destacavam irrelevantes erros de grafia em seu relatório e o acusavam, em editoriais, de ser um "louco", um "messiânico", ficaria acuado, confuso, e daria declarações auto-defensivas desencontradas, lançando suspeitas a quem não merecia e turvando o debate político em torno de Dantas. Aliás, cumpre observar que a estratégia principal de defesa de Dantas foi incentivar a politização do processo, e nisso Queiroz, certamente sem o perceber, colaborou. A atenção pública desviou-se dos deliquentes, e parte da opinião pública, tendo jornalistas como Paulo Henrique Amorim à frente, passou a atacar o governo Lula, sem nem ao menos aguardar o trabalho feito pelo substituto de Queiroz, o delegado Ricardo Saadi.

No entanto, o caso é tão complexo que seria injusto e também apressado acusar PHA. Afinal, toda a pressão pública para que Dantas não fosse tratado com benevolência, para que a PF fosse corajosa e ética, talvez tenha influenciado positivamente Ricardo Saadi a escrever um relatório mais duro e mais objetivo sobre Dantas. Ou talvez não, talvez a politização criada ainda possa beneficiar Dantas.

Devemos pôr as fofocas de lado, e nos ater aos fatos. Dantas foi preso pela Polícia Federal, e agora foi condenado pela Justiça Federal. Simples assim. Não se trata mais de um "suspeito". Foi condenado por um juiz federal, Fausto De Sanctis, uma figura altamente prestigiada nos meios jurídicos, por sua trajetória brilhante e corajosa, e que dificilmente condenaria alguém por "pressão" pública ou coisa parecida.

Estou particularmente satisfeito com o desfecho dessa operação, porque havia observado injustiça e ingenuidade no debate em torno da Satiagraha, sobretudo a fetichização quixotesca de Queiroz, em detrimento da instituição que ele representava. Identifiquei uma perigosa concepção "fulanista" da segurança pública, como se fosse possível à PF realizar as centenas de grandiosas operações anti-corrupção que vem realizando contando apenas com o heroísmo singular de seus agentes, sem considerar que a auto-confiança, a estrutura logística, a independência, a disponibilidade de recursos, são, na verdade, os principais fatores responsáveis pela eficiência da PF. Aborreceu-me, portanto, verificar que o debate político invertera valores e, sob o pretexto de pedir a cabeça de Dantas, colocou em xeque a credibilidade da Polícia Federal.

A condenação de Daniel Dantas fecha o primeiro capítulo dessa história. Certamente outros virão. Ainda há muitos fatos não esclarecidos, entre eles a contratação, por Gilmar Mendes, para um importante cargo de segurança da instituição, de um ex-militar integrante de uma agência de espionagem (Instituto Sagres) do qual faz parte Humberto Chicaroni, advogado e amigo de Dantas. A informação liga-se ao famoso "grampo" de Mendes e um senador de oposição, denunciado pela Veja, cuja gravação nunca apareceu.

Muitos ainda estão céticos com a condenação de Dantas, porque não acreditam que ele vá, efetivamente para a cadeia. Mas é preciso atentar que a sua condenação é o passo mais importante, porque representa uma terrível derrota politica para o banqueiro e seu grupo. Não se trata mais de suspeitas. Dantas agora aparece em noticiários do mundo inteiro, na imprensa escrita e televisiva, como condenado, e por um juiz de reputação ilibada.

O que espero, a partir de agora, é que os desdobramentos do caso Dantas atinjam as figuras que o criaram, os vendedores do patrimônio público, os tucanos em geral e, em particular, aquele que, mais que nunca, representa a salvação dantesca, o governador de São Paulo, José Serra. Meu lema, por isso, toma cada vez mais ares de um grito de batalha. Delenda Serra.

Fonte: www.oleododiabo.blogspot.com

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