Nada a dizer sobre os partidos de direita e centro-esquerda que sempre foram exclusivamente eleitorais e mantêm o seu perfil. Mas o PT é um caso a se considerar, pois surgiu com uma forte influência dos movimentos sociais e criticando o modo de agir dos demais partidos. Propôs a participação das bases, com a incorporação de milhares e milhares de cidadãos e cidadãs ao processo político. No seu Manifesto Programa, de 1980, está escrito que a atuação nos meios institucionais não eliminaria a participação nos movimentos sociais e sua mobilização. A inflexão nessas duas vertentes se apresentava como o elemento diferencial e inovador, a cara do PT.
Com o tempo, o PT também resvalou para o exclusivismo eleitoral e as articulações de cúpula, relegando ao segundo plano, ou mesmo extirpando da sua dinâmica, o processo de organização e mobilização “nos locais de moradia, nos locais de trabalho e nos movimentos sociais”, conforme se ouvia nas rodas militantes nos anos 80 do século passado. Essa mudança de foco trouxe profundas repercussões na vida partidária, pois a feição organizativa de qualquer instituição é moldada pela sua prática cotidiana. Segundo o dito popular, “o hábito do cachimbo faz a boca torta”. E o PT entortou, sob os efeitos desse desvio político.
Houve um tempo em que os órgãos de direção partidários e as assembléias eram as instâncias em que se discutiam as articulações políticas maiores, as estratégias eleitorais, as candidaturas etc. Era comum militantes fazerem referência a “o partido”. Com os primeiros parlamentares eleitos, uma nova instância de influência e poder surgiu e foi crescendo. E se passou a ouvir militantes se referirem a “o mandato”, com um evidente encolhimento da sua visão e da sua fidelidade política. Os gabinetes parlamentares passaram a agir com autonomia e a adquirir mais peso do que as direções partidárias. A chegada aos cargos executivos, com o seu maior poder de influência, de caneta e de caixa, desencadeou um processo avassalador de invasão de atribuições e sujeição das direções partidárias. Elas passaram a funcionar como correias de transmissão dos interesses de governo, e não como direções políticas, responsáveis pelo controle do desempenho dos seus militantes nas diversas frentes de atuação, incluindo-se aí os seus representantes no parlamento e no executivo. Como decorrência, escapou-lhes das mãos a coordenação dos processos sucessórios. No mais tradicional estilo do caciquismo, um prefeito, governador ou presidente, passou a se achar com o direito de indicar o seu sucessor e a coordenar a campanha eleitoral, como se a candidatura pertencesse a ele, e não ao partido e a um conjunto de forças partidárias e não partidárias.
À reboque dos executivos, as instâncias dirigentes passaram a ter como foco principal de atuação as eleições bienais da república e, nos intervalos, as eleições internas, cujos resultados determinam o controle dos diretórios, a indicação de candidaturas e o acesso a recursos financeiros, na sua maior parte utilizados em campanhas eleitorais e quase nada destinados ao fortalecimento da estrutura partidária e à qualificação da militância. Vejam-se a precariedade dos diretórios – e a inexistência dos diretórios zonais - , sem funcionamento regular, sem estrutura de comunicação, sem preparação de atas ou, ao menos, súmulas das reuniões.
Dentro desse padrão, com as direções partidárias destituídas das suas funções políticas maiores e restritas às mobilizações eleitorais, convenhamos que as coisas têm andado razoavelmente, com o reforço do serviço de marketing e da militância paga. Mas o fato de a atuação dos militantes junto aos movimentos popular e sindical, suas lutas e mobilizações, não integrarem mais as pautas das reuniões, retira um elemento diferencial importante e nivela por baixo o PT, sob o denominador comum do eleitoralismo. Essa auto-satisfação com os jogos da política convencional enfraquece a formação de uma pressão democrático-popular independente e garantidora do alargamento e da velocidade dos processos políticos transformadores. E eleva o poder de barganha das forças mais atrasadas que integram alianças políticas e ocupam espaços governamentais.
Marcelo Mário de Melo é poeta e jornalista
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