Um velho amigo comentou dias atrás: “Ele se meteu em uma enrascada sem saída quando disse: ou ele, ou eu, como Golbery”. Bom assunto para um almoço pacato. Comparava o chefe da Casa Civil de três ditadores, Castello Branco, Geisel e Figueiredo, com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que se prepara a deixar seu posto para Alexandre Tombini, diligente funcionário do próprio banco do qual é o atual diretor de Normas.
O impasse para Golbery deu-se logo após a desastrada operação que resultou na tragicomédia do Riocentro, a 1º de maio de 1981. A bomba explodiu no colo do terrorista de Estado que a carregava de carro, destinava-se a provocar uma hecatombe em meio a um espetáculo musical que reunia 20 mil pessoas. Felizmente, uma apenas foi para o Além, quem sabe o Inferno, enquanto o que dirigia o veículo ficou gravemente ferido. O inspetor Clouseau não se sairia melhor.
O humor negro do episódio não haveria de abrandar a profunda irritação que tomou conta do chefe da Casa Civil de João Baptista Figueiredo. Logo depois de ser informado a respeito do evento, caminhou até o gabinete presidencial e exigiu a demissão imediata do comandante do I Exército, sediado na Vila Militar do Rio, o general Gentil Marcondes, primeiro responsável por uma missão de inauditas dimensões criminosas, da qual ele teria de estar necessariamente a par.
Na visão de Golbery, era nítido o propósito da operação fracassada, inserida em um programa de atentados em escalada, que já haviam visado bancas de jornais no Rio e em São Paulo, a sede da OAB nacional e as oficinas da Tribuna da Imprensa. Pretendia-se precipitar um clima de tensão extrema, de sorte a implodir o plano da chamada abertura e a justificar a permanência dos militares no poder. Quer dizer, depois de Figueiredo, previsto como o derradeiro ditador, viria outro da casta fardada, e ele já tinha nome, o general Octávio Medeiros, chefe do SNI e protetor do general Gentil.
Uma guerra surda eclodiu dentro do Palácio do Planalto, a cheirar cada vez mais a quartel, o comandante do I Exército ficou onde se encontrava, o inquérito sobre a tragicomédia debandou para a farsa, e foi então que Golbery impôs: ou Medeiros, ou eu. Figueiredo optou por aquele. Assim como Dilma Rousseff escolheu Mantega e, portanto, Tombini.
É o pensamento do velho amigo, também sábio. Está claro que enredo e protagonistas são bem diversos daqueles, mas a chave da compreensão da saída de Meirelles aí estaria. De todo modo, o confronto era inevitável, em um caso e noutro. Há na imprensa quem se esforce para provar que Mantega foi escolha de Lula, bem como a dos demais da equipe econômica. É do conhecimento até do mundo mineral, contudo, que, desde a composição do primeiro gabinete de Lula presidente, Meirelles foi indicado por ele, e depois, anos a fio, por ele mantido a despeito das críticas crescentes, partidas de conselheiros importantes e de largos setores do empresariado, às políticas rígidas do BC.
A autonomia do presidente do banco é reivindicação teoricamente aceitável. Assim se dá em outros países reconhecidamente democráticos, onde se enxerga o presidente do Banco Central como alto funcionário a serviço do Estado e não deste ou daquele governo, estável na função independentemente dos resultados eleitorais, personagem imanente, digamos assim, em lugar de contingente. No Brasil atual, a ideia de Meirelles é impraticável.
De fato, ou Mantega ou Meirelles. CartaCapital não se surpreendeu com a escolha final da presidente eleita, e aqui manifesta seu apreço pela decisão. E sabe que Tombini chega com o aval da presidente e do seu futuro ministro da Fazenda. No mais, é perfeitamente possível que meu velho e sábio amigo esteja certo: na hora azada, o aut-aut de Meirelles foi a gota decisiva. O mesmo amigo murmura: “É um bancário que deu certo”.
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