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terça-feira

Violência contra homossexuais: o preço de SER diferente

Rildo Véras Martins[1]

“...Assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem bondade...”

(Assim Caminha a Humanidade, Lulu Santos).


Os recentes atos de violências praticados contra homossexuais em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre nos fazem refletir sobre para onde caminha a humanidade. Será que de volta à barbárie? Ou ainda é possível sonhar e verdadeiramente construir uma cultura de paz? Quais os desafios a serem enfrentados e quais estratégias podem ser utilizadas na construção de tal cultura? O que está por trás (ou pela frente, ou ao lado) da violência homofóbica?

É estranho poder observar que a sociedade contemporânea naturalizou de tal modo a violência que acha-se super normal dois homens estarem esmurrando-se em uma rua, por exemplo, e considera-se como absurdo o fato de dois homens ou duas mulheres estarem de mãos dadas ou trocando carinhos, afeto, namorando em público. O que faz com que uma pessoa agrida a outra pelo simples fato de ela ter uma orientação sexual que foge da heteronormatividade? Por que ser diferente incomoda tanto? Em seus estudos, Sigmund Freud (1856-1939) constata que muitas vezes tentamos“matar” no outro aquilo que está latente dentro de nós e que não temos coragem de encarar, d e resolver. Daí o ódio surgiria exatamente pelo fato de a outra pessoa externar isso naturalmente. Na mesma linha de Freud, Paulo Freire (1921-1997) ao estudar questões relativas à sexualidade, afirma que:

“Ninguém vive bem sua sexualidade numa sociedade tão restrita, hipócrita e falseadora de valores; uma sociedade que viveu a experiência trágica da interdição do corpo com repercussões políticas e ideológicas indiscutíveis; uma sociedade que nasceu negando o corpo.
Viver plenamente a sexualidade sem que esses fantasmas, mesmo os mais leves, os mais meigos interfiram na intimidade do casal que ama e que faz amor é muito difícil.
É preciso viver relativamente bem a sexualidade. Não podemos assumir com êxito pelo menos relativo, a paternidade, a maternidade, o professorado, a política, sem que estejamos mais ou menos em paz com a sexualidade”.

Nossa educação pós-moderna ainda deixa muito a desejar quando o assunto é a preparação do ser humano para a vida de um modo geral. Temos preparado bons técnicos, não há dúvidas. Bons profissionais têm sido lançados ao mercado de trabalho constantemente. Mas a pergunta que não quer calar é: temos, de igual modo, formado bons seres humanos? A educação ofertada por nossas escolas e famílias não leva em consideração o respeito às diferenças. Há uma padronização generalizada como se todos os seres humanos fossem (ou tivessem a obrigação) de ser iguais, se comportarem, agirem, pensarem e se expressarem exatamente uniformes. Uma pesquisa intitulada “Escola Sem Homofobia” realizada em 11 c apitais brasileira, incluindo Recife, pela Reprolatina (Campinas-SP), ABGLT, Pathfinder do Brasil com o apoio do Ministério da Educação constatou que em geral as escolas brasileiras são hostis para com alunos homossexuais. Segundo a pesquisadora Magda Chinaglia “...a homofobia é negada pelo discurso de que não existem estudantes LGBT na escola, mas quando a gente ia conversar com os estudantes, a percepção era outra... Ouvimos muito que os LGBT não se dão ao respeito...” ou seja, traduzindo, dar-se ao respeito quer dizer que os homossexuais podem estudar desde que não se mostrem, não se revelem, contentem-se com o anonimato do “armário”. A situação ainda é pior para travestis e transexuais, pois além da invisibilidade que padecem, constatou-se que nenhuma escola autoriza o uso do nome social e tampouco o uso do banheiro feminino.

Frente a esta realidade coube aos homossexuais organizarem-se, gritarem, protestarem, saírem às ruas para dar um basta à violência e reivindicar políticas públicas que dêem conta da cidadania plena. As paradas da diversidade têm, de certa forma, cumprido tal papel de tirar os homossexuais do gueto, de mostrar a cara e serem também para além de vítimas das circunstâncias, atores e atrizes na construção da cidadania plena, onde a negação de direitos inexista.

Vale aqui destacar o papel das famílias de homossexuais no enfrentamento aos preconceitos e discriminações. É sabido que em muitos casos a primeira violência contra LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) acontece no recinto familiar. Quem nunca ouviu frases do tipo: “eu não tenho nada contra os homossexuais, mas na minha família não existem homossexuais”? Ou quem nunca ouviu relatos de LGBT que foram expulsos de casa quando os pais descobriram a orientação sexual dos filhos e filhas. A sentença é única e certa: “ou você vira homem (ou mulher) ou a porta da rua é a serventia da casa”. É bem verdade que as famílias de homossexuais também sofrem preconceitos e discriminações por que em inúmeras situações são a pontados na rua como: “aquele ali é o pai do gay, ou o irmão do gay, ou a mãe do gay...” (ou da lésbica, do/a travesti e do/a transexual). Abro aqui um parêntese para tecer um rápido comentário sobre a identidade bissexual que em nossa realidade ainda é muito disfarçada. Dificilmente as pessoas por mais que tenham práticas bissexuais se assumem enquanto tal porque também serão motivos de chacotas e discriminações. Assim é mais fácil se esconder atrás do escudo da heterossexualidade. Particularmente conheço diversas pessoas com práticas bissexuais assumindo a identidade hétero. Dito isto vale ressaltar que com relação ao espaço familiar duas questões merecem destaque. A primeira é a de que o conceito de família no século XXI modificou-se. Já não podemos mais imaginar a família composta apenas por um homem, uma mulher e os/as filhos/as. Mas, família na contemporaneidade também é composta por dois homens ou duas mulheres com filhos ou não. A segunda questão é que está mais do que provado que nas famílias que aceitam seus filhos que expressam orientação sexual não heterossexual, eles e elas denunciam as violências que sofrem. Ou seja, o apoio da família é fundamental não somente na construção e no fortalecimento da identidade sexual, da auto-estima, bem como no fortalecimento da consciência de um ser humano portador não somente de obrigações e deveres, mas também de direitos.

Na utilização da estratégia de não se calar diante do preconceito e das diversas formas de discriminação, uma política criada pelo Governo Federal e assumida pelos estados que vem dando frutos bastante positivos são os Centros de Referência de Combate à Homofobia. Contando com uma equipe multidisciplinar formada por psicólogo/a, assistente social, advogado/a e um/a estagiário/a em cada área, os centros de referência têm sido fundamentais no acolhimento das vítimas de homofobia, lesbofobia e transfobia e no encaminhamento e acompanhamento dos casos junto aos órgãos competentes. O sucesso dos centros de referência vem, sobretudo do fato de que as pessoas que sofrem preconceitos e discriminações, em sua maioria não têm coragem de ir até uma delegacia prestar queixa, por que muitas que ousaram em algumas situações foram também vítimas de chacotas e em alguns casos mais graves “aconselhadas” a não prestarem queixas, a “deixarem isso para lá...” No centro de referência os/as profissionais estão preparados/as não somente para ouvir mas também para acompanhar até a delegacia, se for o caso. E ainda o trabalho se estende à família da vítima e à comunidade onde ela reside. Em Pernambuco temos um centro de referência funcionando no atendimento a demandas da Região Metropolitana e outro em processo de instalação no Agreste.

No âmbito nacional o sonho, a luta e nossas energias são para que se aprove o PL 122/2006 que propõe a criminalização da homofobia. Quando for aprovado, o projeto vai alterar a Lei 7.716 e passará a caracterizar como crime a discriminação e preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Daí será possível às pessoas que sofrerem atos homofóbicos registrarem a queixa formal em uma delegacia que abrirá um processo judicial e, em sendo provada a veracidade dos fatos, o réu estará sujeito às penas estipuladas pela lei. Para além das violências físicas e psicológicas já tão conhecidas, outros tipos de violência homofóbica não podem ser desconsideradas. Em tempos de tecnologia avançada, a internet tem sido utilizada também para propagar preconceitos e discriminações para com LGBT, negros/as, nordestinos/as, dentre outros. Nos casos de homofobia em que a mídia fez uma boa cobertura choveram mensagens de apoio aos agressores de homossexuais. De acordo com a ILGA (International Lesbian, Gay, Bissexual, Trans and Intersex Association – www.ilga.org ) o panorama mundial também não é muito animador: em 75 países a homossexualidade ainda é considerada como crime, enquanto que apenas 10 aceitam o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Dos que consideram crime seis punem com pena de morte os LGBT: Somália, Irã, Iêmen, Mauritânia, Arábia Saudita e Sudão. Para Toni Reis, presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais – http://www.abglt.org.br/ ) a situação do Brasil é a de que se não temos ainda nenhuma lei que crimi naliza a homofobia, pelo menos aqui a homossexualidade não é considerada uma crime.


“...E a gente vai à luta

E conhece a dor

Consideramos justa

Toda forma de amor...”

(Toda Forma de Amor – Lulu Santos)







[1] Sociólogo, pós-graduando em gênero e diversidade (UERJ), Assessor Especial do Governador de PE para Diversidade Sexual.

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