As seis últimas candidaturas, somadas, não alcançam 2% de intenções de voto nas pesquisas publicadas até agora. A candidatura de Marina Silva vem oscilando, dependendo da pesquisa e do momento, entre 5 e 10 pontos. As candidaturas de Dilma e Serra, somadas, chegam a 80% das intenções de voto.
No fundamental, este cenário eleitoral confirma a avaliação feita, já em 2009, segundo a qual a eleição presidencial seria marcada pela polarização PT versus PSDB; a candidatura Dilma viria em ascensão; a candidatura Serra se manteria estagnada, ainda que recebendo um apoio eleitoral significativo.
Mas o cenário deste setembro traz, também, uma novidade importante: a partir de agosto e até agora, a candidatura Dilma não interrompeu sua ascensão. O impacto psicológico disto, sobre as fileiras adversárias, é tão grande, que a candidatura Serra começou a perder apoios.
Ao mesmo tempo, não teve o êxito pretendido a operação financeira e midiática em favor da candidatura Marina, visando levar a eleição presidencial para o segundo turno. Resultado: discute-se abertamente a possibilidade de a eleição presidencial ser decidida já no primeiro turno, com a vitória de Dilma Roussef.
Mantra
Esta possibilidade existe e não devemos desperdiçá-la. Mas, para que se torne possível o que não é o mais provável, é essencial não subir no salto, nem baixar a guarda.
Afinal, embora a candidatura Serra esteja enfrentando dificuldades políticas, ela tem meios para fazer operações especiais que, como em 2006, podem levar a eleição para o segundo turno.
As dificuldades políticas da direita têm duas causas fundamentais. A primeira delas é muito simples: a maior parte do povo brasileiro está vivendo melhor e relaciona isto às políticas adotadas pelo governo Lula, com quem ademais mantém uma identidade de classe.
A segunda delas é mais complexa, embora não tanto: a oposição de direita propaga e em parte acredita que os êxitos do governo Lula estão baseados nos supostos êxitos do governo FHC.
Segundo Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda de FHC, o mesmo seria dito por “vozes sensatas” do PT, como Antonio Palocci ("os ganhos obtidos pelo Brasil a partir de 2003 se assentaram sobre avanços e resultados realizados em governos anteriores (...). Fazer tabula rasa destas contribuições seria atentar contra a própria história do País") e Paulo Bernardo ("Não tenho dúvidas de que o Brasil evoluiu positivamente ao longo dos últimos 15 anos").
Mas, apesar desses “bolsões sensatos”, a oposição sabe que o povo não pensa assim, até porque conhece os efeitos de uma e outra política no emprego e nos salários, por exemplo. E percebe que eventual evolução positiva se deu apesar das políticas tucanas, não graças a elas.
Como o povo rejeita a herança maldita, Serra evita defender o “legado FHC”, foge da comparação entre os dois governos e dá prioridade à tentativa de desconstituir a imagem de Dilma, apostando que assim conseguiria evitar a transferência de votos em favor da candidata do PT. Parece incrível, mas na cabeça de Serra, ele seria a “continuidade com segurança”. O problema é que esta tática, ao menos até agora, não funcionou.
Registre-se que Marina e Plínio também embarcaram na tentativa de desconstituir Dilma.
A candidata verde disse o seguinte, ao jornal O Estado de S. Paulo: “Nós conhecemos o presidente Lula, a gente conhecia o Fernando Henrique Cardoso, a gente conhece o Serra – eu discordo dele, mas conheço. O povo pode até discordar de mim, mas me conhece. Eu estou aí há 16 anos na política nacional. Mas, com todo respeito à ministra Dilma, nós não conhecemos ela nesse lugar de eleita. Conhecemos como ministra de Minas e Energia, da Casa Civil e até respeitamos o trabalho dela, mas daí a ser presidente da República?”
O candidato do PSOL, durante um debate promovido pela rede Canção Nova, disse que “toda a comunidade cristã conhece ao Serra, a mim e à Marina”. Já Dilma foi classificada por Plínio como uma “incógnita, que foi inventada pelo Lula”.
Como era de se esperar, a operação de desconstituição promovida por Serra e seus aliados é mais violenta: inclui tratar Dilma como grosseira e autoritária (como fizeram os apresentadores do Jornal Nacional), apresentá-la como violenta terrorista (técnica adotada especialmente na internet), adepta do jogo sujo (dossiês, quebras de sigilo), tecnocrata, centralizadora e tudo mais, inclusive o contrário disto tudo: uma candidata inventada, um preposto de Lula.
A polêmica em torno da quebra do sigilo fiscal de Verônica Serra, Eduardo Jorge e outros faz parte deste contexto. Há fortes indícios de que a operação está relacionada à disputa interna no tucanato, entre Serra e Aécio. Mas sua repercussão atual, na qual se atribui ao PT a iniciativa, cumpre um triplo papel: tentar levar a disputa presidencial para o segundo turno; reunir elementos para questionar legalmente a candidatura Dilma; e colocar em questão a legitimidade de nossa vitória, seja no primeiro, seja no segundo turno.
Serra, setores do Judiciário e dos meios de comunicação estão envolvidos nesta operação. Motivo adicional para não baixarmos a guarda: lembrar de 2006 deve ser repetido como mantra.
Futuro
Exceto por uma reviravolta imponderável, Dilma será eleita presidenta da República, seja no primeiro, seja no segundo turno. A questão estratégica é saber qual o conteúdo programático: o que esta vitória projeta para o futuro?
Ao longo da campanha, Dilma afirmou um compromisso, composto de duas ações articuladas: continuar é continuar mudando. Por diversas razões, o acento principal foi na continuidade; e o tema das mudanças acabou ficando em segundo plano.
A campanha tratou de forma defensiva temas importantes como a reforma política, a reforma tributária e a democratização da comunicação social, para ficar apenas nestes casos. Isto, mais a composição da coligação, apontam para um governo fortemente comprometido com a continuidade, mas sem que fique claro no que e exatamente como vamos continuar mudando.
Claro que continuar mudando dependerá e muito da correlação de forças que emergirá das urnas: a composição do Senado, da Câmara, dos governos estaduais e das assembléias legislativas. Visto de agora, tudo indica que teremos uma maioria governista, mas não teremos uma maioria de esquerda (entendendo por isto basicamente o PT, o PCdoB, o PSB e o PDT).
Este é um dos motivos pelos quais devemos fazer de tudo, nesta reta final de campanha, para fortalecer o desempenho do PT, de nossas candidaturas a governador, ao Senado, à Câmara e às Assembléias estaduais.
Outras variáveis vão incidir na conduta do próximo governo. Uma destas variáveis é a conjuntura internacional, que segue combinando elementos de crise econômica prolongada e provocações militares por parte dos Estados Unidos. Outra das variáveis é a postura das oposições. Já vimos, em 2005, como uma atitude da oposição pode influenciar a postura do governo.
À luz das eleições de 2010, o que podemos dizer sobre o que farão as oposições ao longo dos próximos anos?
A oposição de esquerda, ao que tudo indica, colapsou. A aposta que fizeram no fracasso do governo Lula, no desmanche do PT, num discurso para-udenista, não rendeu frutos eleitorais, nem conseguiu construir um pólo social de oposição. Pelo contrário: em diversos momentos aliaram-se à oposição de direita, enfraqueceram as posições de esquerda no interior do PT e acabam passando para a sociedade uma imagem caricatural do socialismo, prejudicando mais do que ajudando quem luta contra o capitalismo.
Se a oposição de esquerda colapsou, a oposição de direita está em surto, como se depreende da leitura dos trechos abaixo, parte de escritos recentes de eleitores de Serra:
“A quebra do sigilo é um aviso de que o Estado democrático de Direito está em crise de que um Estado totalitário se aproxima” (Ricardo Caldas, Folha de S. Paulo, 8 de setembro)
“O lulismo desqualifica a política. E abre caminho para o autoritarismo.” (Marco Antonio Villa, Folha de S. Paulo, 8 de setembro)
“(...) uma entidade institucional inédita, personificada por Lula. Semelhante, neste aspecto, a um aiatolá, atuando de fora para dentro do governo (...) a democracia brasileira adentrará uma quadra histórica não isenta de riscos (...) controle social da mídia é eufemismo para intervenção em empresas jornalísticas e imposição de censura prévia” (...) Estamos nas “cercanias de um regime autoritário” (...) “chavismo branco” ou “regime mexican style” (...) (Bolívar Lamounier, O Estado de São Paulo, 24 de agosto)
“Estão criadas as condições para o surgimento de uma versão brasileira –com duas faces, a do PT e a do PMDB — da “ditadura perfeita” vivida pelo México décadas a fio sob o controle do PRI.” (Editorial do jornal O Estado de São Paulo, 24 de agosto)
A declaração mais recente nesta linha foi dada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que no dia 14 de setembro teria afirmado (segundo o jornal Folha de S. Paulo) que o presidente Lula virou “um militante e um chefe de uma facção”, o que (segundo FHC) “extrapola o limite do estado de direito democrático".
Se realmente FHC disse o que a Folha lhe atribui, baixou nele um espírito cavernícula: "Faltou quem freasse o Mussolini. Alguém tem que parar o Lula". Pelo visto, o tucano resolveu brincar com fogo, pois é difícil imaginar um significado inocente para a expressão “parar o Lula”.
Se mantiver este discurso, esta oposição apocalíptica cumprirá um papel político importante, mas só terá chances eleitorais em 2012 e 2014 se a situação econômico-social desandar completamente. Motivo pelo qual é provável que a direita social (ou seja, o grande empresariado e os setores médios conservadores) aposte suas fichas no PMDB, que já se ofereceu inclusive para abrigar Aécio Neves.
Neste sentido, precisamos ter um olho no peixe e outro no gato. E, não importa qual seja o resultado da eleição congressual, para reduzir as chances de que o aliado de hoje se torne o inimigo de amanhã, o PT deve dar mais organicidade à sua relação com os demais partidos de esquerda (PCdoB, PSB, PDT). Há quem defenda, até, a constituição de uma “frente ampla” semelhante à que existe no Uruguai.
E o que será do PT, neste contexto? Sobre isto, há muito o que debater e reformar. Apenas como aperitivo, podemos apontar duas incógnitas e duas certezas.
As incógnitas são: que papel Lula terá no próximo período; e que organicidade terá a relação entre a companheira Dilma, uma vez eleita presidente, e seu Partido?
As certezas são: o Partido dos Trabalhadores sairá desta eleição mais importante e mais desenvolvimentista do que entrou.
Vale lembrar que o PT surgiu em 1980, criticando não apenas a ditadura, mas também o desenvolvimentismo, apresentando uma alternativa democrático-popular e socialista. Já em 2002, o programa com que Lula disputou as eleições foi de transição para o pós-neoliberalismo. Entre 2003 e 2005, esta transição foi contida e dominada pelos social-liberais, sob comando de Antonio Palocci. Mas a partir de 2005 e até hoje, os setores desenvolvimentistas vêm ganhando espaço. A tal ponto que, recentemente, até mesmo candidatos da esquerda petista incluíram, em seu material de propaganda, a defesa de um “modelo econômico centrado no capitalismo produtivo”.
Claro que é melhor um partido hegemonizado por desenvolvimentistas, do que por social-liberais. Mas sem reformas estruturais, o desenvolvimentismo brasileiro será sempre conservador (ou seja, para cada ganho dos de baixo, muito mais ganho nos de cima). Em nosso país, 20 mil famílias controlam 46% da riqueza; 1% controla 44% das terras; 59% não tem acesso à esgoto e água tratados! Ademais, desenvolvimentista ou não, o capitalismo será sempre... capitalista.
Para começar a mudar esta situação, precisamos fazer reformas estruturais: reforma tributária, para que os ricos paguem impostos; reforma urbana, para que todos possam morar bem; reforma agrária, para que os alimentos sejam cada vez mais baratos; reforma política, para que os mandatos não sejam comprados, nem vendidos; democratização da comunicação, para que haja informação de qualidade; universalização do sistema único de saúde e educação pública e gratuita, retirando estas e outras ações da esfera mercantil.
Noutras palavras: neste PT mais importante que emergirá das eleições de 2010, continua sendo indispensável uma forte esquerda socialista, que defenda reformas estruturais, que compreenda o papel estratégico da luta social e do próprio Partido.
Por isto, nesta reta final, além de não baixar a guarda, ampliar a votação do PT, dar organicidade ao campo democrático-popular, é também fundamental ampliar a votação e o número de parlamentares comprometidos com continuar mudando. Mudando muito e rápido.
Valter Pomar é membro do Diretório Nacional do PT
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