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Texto por email: UM BALANÇO CRÍTICO DO GOVERNO DO PT E DO "LULISMO"

O texto que repasso abaixo é da Federação Anarquista Gaúcha, mas ao contrário do que pensei antes de ler, é uma das críticas mais lúcidas ao Governo Lula e ao PT, que vi nos últimos tempos.

Evita ser superficial e diferente das críticas corriqueiras não é um vômito de adjetivos e não deixa de reconhecer certos avanços no Governo Lula, especialmente em relação ao bolsa-família, que diferente do que em geral fazem Psol, Pstu etc, que simplificam a crítica com adjetivos superficiais de eleitoreiro ou assistencialista, o texto faz faz uma análise um pouco mais rigorosa muito mais capaz de dialogar com as massas.

Arrisco a dizer que se estes anarquistas disputassem eleição, teriam mais votos que Plínio e Zé Maria juntos. Pra sorte de Psol e Pstu eles não ligam muito pra isso.



UM BALANÇO CRÍTICO DO GOVERNO DO PT E DO "LULISMO"



Lulismo

Lula foi eleito presidente em 2002 numa correlação de forças que colocava em recuo as políticas neoliberais globalizadas pelo mundo, que no Brasil tiveram uma agenda agressiva na administração de FHC. A rejeição social ao desemprego, o arrocho salarial e as privatizações formaram a base eleitoral que majoritariamente apostou no PT como contestação desse modelo de dominação. Mas o voto das massas em Lula foi muito mais resultado de uma poderosa mobilização de sentimentos, de esperança no símbolo do candidato, retirante nordestino, operário do ABC, sindicalista, do que uma decisão programática. Na campanha eleitoral de 2002 o PT já anunciava pela política de alianças e na Carta ao Povo Brasileiro o giro do partido até posições conciliadoras com as estruturas do poder e menos que reformistas, um processo que já vinha se consumando ao longo das derrotas nos últimos pleitos.

Se produziu um fenômeno no país onde Lula ganhou um lugar imaculado, acima do bem e do mau, o mito do Lulismo. A liderança carismática de Lula descolou a sua imagem das desventuras do PT e atravessou liso pela maior crise da história do partido, o escândalo do “mensalão” de 2006-2007 em que os deputados do congresso eram subornados para votar nos projetos do executivo. Costurando um pacto social que acomodou as oligarquias e os grandes capitais por um lado e políticas compensatórias para os mais pobres o presidente alcançou índices históricos de aprovação que tocaram 80%.

Política econômica

O continuísmo com o modelo neoliberal no núcleo duro da política econômica é evidente. As metas de arrocho do orçamento público (superávit) obedeceram à estrutura da dívida pública e os altos juros que são pagos pelo governo. É no mecanismo perverso do ajuste fiscal que as receitas de seguridade social são desviadas para pagar juros ao capital financeiro e a previdência é acusada de déficit e levada a reformas regressivas que cortam benefícios dos trabalhadores. A autoridade máxima do Banco Central é o ex-funcionário do Bank of Boston de procedência tucana Henrique Meireles. Os leilões de petróleo de áreas da Petrobrás onde vigora o modelo privatista tucano das concessões não terminaram. As privatizações que liquidaram com áreas estratégicas e patrimônio público não foram anuladas e ganharam o modelo das parcerias público-privadas. Mais que suavizar este modelo de PPP privatiza o lucro garantindo o pagamento do prejuízo pelo governo, portanto dinheiro público.

O crescimento econômico que promove o governo Lula não avança contra as desigualdades sociais e regionais e produz danosos impactos ambientais. O PAC tem injetado grandes volumes de recursos públicos no capital privado, induzindo o lucro das empreiteiras e os créditos do BNDES estão voltados para o agronegócio dos capitais transnacionais que fazem sociedade com o latifúndio, para os maiores vilões do meio ambiente e da soberania alimentar desse país. O plano IIRSA está articulado no PAC, garantindo infra-estrutura e energia para os grandes capitalistas. Há um aumento do nível de empregos, mas em condições mais precárias e desiguais, e o aquecimento do consumo de massas se deve sobretudo ao endividamento familiar mais do que ao incremento do poder aquisitivo dos trabalhadores.

Nesses termos, como modo específico desse governo se combinam políticas de ajuste fiscal no setor público e liberalismo para o poder financeiro ao lado de um crescimento econômico puxado pela transferência de recursos públicos principalmente aos capitais privados da construção civil e do setor agro-exportador.

Política social

Um novo arranjo dos programas sociais unindo no mesmo pacote diversos e dispersas medidas compensatórias que eram aplicadas em outras administrações construíram uma percepção que deu mais evidência as ações do governo Lula e, num certo grau, produziram um efeito político-eleitoral de gratidão na massa dos mais pobres. O bolsa família que atende cerca de 40 milhões de pobres pode ser criticado pelo que deveria ser um plano de combate estrutural a pobreza, mas não pode ser criticado pelo que significa para as carências de quem não tem nada. A mesma premissa vale para o Proune, um programa de socorro as universidades particulares, que alavanca a expansão de vagas do ensino superior. Ocorre nessas políticas um pacto de mediocridade que pode perfeitamente ser cantado como na música “tá bom mas tá ruim”.

Esse é um diferencial do governo Lula, essa engenharia do melhorismo, a produção do discurso, as práticas políticas e as técnicas de poder que lhe dão suporte no nível das massas. O melhorismo não muda a estrutura social, não combate a exploração, a pobreza e as desigualdades brutais que investem contra as classes oprimidas. É uma pauta administrativa do mesmo modelo, uma variação pela margem da mesma política econômica que, se faz compensações aos pobres, premia os bancos e as transnacionais, as oligarquias, a classe burguesa, com as melhores benesses. O melhorismo é possível graças ao pacto social. Por ele o governo Lula abusou de conselhos e conferências, arranjou lugar pras oligarquias, a burocracia sindical e os interesses corporativos, ganhou a pecha de governo do diálogo, para terminar fazendo aquilo que manda a relação de forças do poder dominante.

Nos direitos da classe trabalhadora a política salarial não dobrou o salário mínimo como era prometido, uma promessa abaixo do que calcula o Dieese pelos preceitos constitucionais. Um aumento entorno de 60% acompanhou o ritmo da economia que sobretudo premiou os setores privados da indústria e das finanças. A estrutura da concentração de renda não foi atacada. A previdência social dos trabalhadores, um dos instrumento mais fortes de distribuição das riquezas foi recortada pelas reformas regressivas que deu início o governo tucano e completou a administração petista com quebra da paridade, contribuição dos inativos, fator previdenciário, etc.. A pauta de redução da jornada de trabalho sem redução salarial circula por Brasília e na luta dos sindicatos sem uma perspectiva de resolução até o fim do mandato.

O plano nacional de reforma agrária sucumbe ao latifúndio fortalecido pelo agronegócio, peso pesado da balança comercial da política econômica do planalto. A reforma agrária se transformou em compra de terras a preços supervalorizados para o assentamento de trabalhadores rurais com falta completa de estruturas para a produção e o bem estar familiar. Os assentamentos foram aquém das demandas por terra dos pobres do campo e seus mov. Sociais. Pelo último censo agropecuário a concentração fundiária não foi reduzida, o crescimento econômico no campo puxado pelo agronegócio diminui os estabelecimentos da agricultura familiar e expulsa os trabalhadores da terra.

Política externa

O Brasil, pela condução do ministro Celso Amorim tem feito mudanças no roteiro das relações exteriores. Está em curso uma política mais autônoma com relação a hegemonia mundial dos Estados Unidos que tem proporcionado um leque mais diversificado de parceiros comerciais com Oriente Médio, África, especialmente a China e o Bric. Longe de uma rota de colisão com o Império o governo adota uma postura moderadora nos conflitos internacionais em franca campanha por um lugar no Conselho de Segurança da ONU.

Na América Latina por regra faz a vez de um bombeiro das tensões regionais, como força neutra e moderadora. No Haiti, contudo, comanda as forças invasoras da Minustah violando a autodeterminação desse povo. O subimperialismo nas relações econômicas e comerciais ainda está presente na exploração dos recursos naturais dos países vizinhos onde joga um papel capitalista transnacional a Petrobrás e capitais do país que são do clube do PAC.

Aqui mais uma vez o governo fica caracterizado a “meio pau”: nem com o anti-imperialismo tampouco com o alinhamento incondicional de outros tempos. O melhorismo também vende seus produtos na política externa. Não há dúvidas que é uma postura muito mais favorável para os processos sociais mais avançados da luta nos países vizinhos, assim foi para a resistência ao golpe em Honduras que acabou consumado pela fraude eleitoral da oligarquia golpista. Mas nem de longe é uma política para construir pactos de ajuda mútua e autodeterminação para os povos da América Latina contra o inimigo dessas liberdades, para fazer acumulação combativa até uma ruptura com os mandos imperialistas ou subimperialista de qualquer Estado.

Governo e movimento popular-sindical

A maior obra do governo de Lula e do PT, para as classes dominantes no país e seus sócios transnacionais, foi quebrar politicamente a unidade das lutas de resistência ao capitalismo neoliberal. Recrutando a experiência dos velhos quadros sindicais na máquina da burocracia fez a correia de transmissão que criou rupturas no movimento sindical. Atochou, por exemplo, nos trabalhadores do setor público uma reforma da previdência que os governos anteriores, de outra procedência político-partidária e outras relações com os sindicatos, não tinham forças pra fazer. Por outra parte conseguiu o apoio entre os mais pobres, resultante dos investimentos na assistência social e a dependência criada pelas medidas paliativas em um povo tão carente de melhores condições de vida.

Uma geração de movimentos sociais foi gestada no mesmo processo que constituiu o PT como uma expressão política da luta de classes do período de redemocratização burguesa. Na concepção dominante da esquerda filha destes tempos a estratégia de poder compreendia a pressão dos movimentos populares e dos sindicatos de trabalhadores para chegar numa correlação de forças para um governo reformista do PT. O PT trocou a correlação de forças da luta de classes, de baixo pra cima, pelo jogos de poder da política das oligarquias, do patrimonialismo e das forças corporativas do mercado. Terminou governando dentro das margens que não tocam nas estruturas do poder e arrastou consigo, como base de apoio, as organizações populares e sindicais construídas na graduação controlada dos milicos até um regime de direito liberal burguês.

O quadro resultante é de fragmentação. O sindicalismo classista que se organizava com unidade se dispersou em distintos e beligerantes projetos e a CUT formou uma burocracia especializada em aplaudir faça o que faça o governo e atuar como correia de transmissão entre os seus aparelhos sindicais e os trabalhadores. Outros setores populares acompanharam esse atrelamento que fere a independência de classe e a razão de ser das organizações para a luta de massas. O MST como força nacional mais combativa não deixou de fazer marchas e ocupações de terra mas emprega uma postura ambígua com relação ao governo, franco indutor do crescimento do agronegócio.

As relações do governo Lula, aqui deve ser feita outra distinção, com o campo popular não é de padrão repressivo. Também se aplicaram forças repressivas em conflitos dos setores populares. Mas o dispositivo mais eficiente e distintivo da administração petista é o diálogo e a cooptação. Um diálogo reiteradamente pactuador, que pede uma conciliação que ao final impõe a vontade das estruturas do poder, como na luta pelo direito a memória e a verdade sobre os crimes do Estado durante a ditadura civil-militar. O diálogo é como a paz numa guerra, é sempre a paz dos vencedores.

Cena eleitoral e consenso bipartidário

Um balanço crítico do projeto político do PT e do presidente Lula mais que tudo atende a um critério de análise que nos pede para ler as singularidades, o que tem de específico, de doutrina própria a experiência de 8 anos de administração e como chefe do executivo nacional. Parte de um reconhecimento que existem mudanças marginais, variáveis dentro de uma margem segura que coexistem com as estruturas do poder da nossa formação social.

O PT governista tirou grandes vantagens com a liderança carismática de Lula, dos vínculos afetivos e solidários da sua história com a do povo brasileiro. Mas não é só isso. O modo petista ousou ser uma forma superior de administração, de técnicas de poder que puderam seguir aplicando um modelo de dominação pela mobilidade social da cooptação, pelo diálogo dissuasivo, pela compensação das carências. É um governo que leva a marca do “ta bom mas tá ruim” ou do “menos pior” não por contingências da correlação de forças, mas por inflexão definitiva à ideologia dominante. Não opera uma mentalidade de cambio, senão possibilismo de elite dirigente.

Dentro desse quadro nacional, em linhas gerais que certamente não são capazes de contemplar todos os assuntos que fazem as nuances da conjuntura histórica, nos chegam os meses prévios das eleições nacionais. Para além do consenso bipartidário que estará posto entre Dilma e Serra, para rasgar com a crítica e independência de classe a camisa de forças da política burguesa, a esquerda e os movimentos da classe oprimida devem buscar mudanças para além do eleitoral. O “menos pior” como tática recorrente, tem uma lógica implacável e uma produção ideológica própria que conduzem a derrota, que rebaixam as exigências programáticas e tornam a estratégia cada vez mais … conservadora. Pra mudar a sociedade, alterar a estrutura social, enfrentar o poder e suas classes dominantes, os atalhos do menos pior, do possibilismo, não conduzem nunca até outras relações de força para os oprimidos mudarem de vida. Não cremos tampouco que pedir votos, seja qual seja a legenda, seja a atitude política mais adequada para produzir ideologia de cambio. Somos partidários do poder popular, de uma construção pela base com os processos de luta e organização popular, de mecanismos de democracia direta e federalismo, de um trabalho militante decidido a gerar capacidades políticas que gestam formas de autogoverno das massas em antagonismo ao poder constituído. Nem apolíticos, nem adictos das velhas estruturas de representação burguesa, somos partidários de outra forma de fazer política.

Em 2006 já se fez o cenário que volta agora pela agitação dos partidos governistas e a sua oposição burguesa. Os orgãos de propaganda afiliados ao PT e aliados chantageava a opinião da esquerda para se posicionar de forma concreta e definitiva. Já estava descoberto o fato político de que para ser governo, Lula e o PT deixaram de ser reformistas. O plebiscito sugerido entre direita e esquerda é um conto de vigário. Se o voto em Dilma Roussef, no estilo plebiscito é um voto contra a direita, como se vota contra Henrique Meireles, Hélio Costa, Reinold Stephanes, os conselhos de Delfim Neto, as oligarquias aliadas, Odebrecht e as empreiteiras do clube do PAC, a transa do BNDES com o agronegócio, a trampa financeira dos banqueiros, a liberdade de “empresa” dos monopólios da comunicação, etc..?

O voto contra a direita e o governismo “menos pior” que levamos pras urnas é um voto nulo. Mas a ingenuidade deve ser demitida dos nossos atos. Seja qual seja o governo de turno um programa de lutas que possa reunir o disperso e desorganizado num campo solidário onde a opressão de um é opressão de todos é uma construção estratégica. Vem de baixo e pela ação direta popular, sem colaboracionismo de classe, a correlação de forças que pode gestar uma alternativa para os oprimidos.

Não tá Morto quem Luta e quem Peleia!
Lutar e Vencer fora da Urnas!!
FAG - 15 anos, na luta pra construir o um Povo Forte!!

http://www.vermelhoenegro.co.cc/2010/09/um-balanco-critico-do-governo-do-pt-e.html

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